São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 2006

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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

EUA perdem apoio de reformistas árabes

Incoerências da política americana e alinhamento incondicional a Israel enfraquecem democratas e reforçam os radicais

EUA dizem querer Oriente Médio democrático, mas cidadãos que apóiam a idéia estão sem espaço após acontecimentos no Líbano


NEIL MACFARQUHAR
DO "NEW YORK TIMES", EM DAMASCO

Reformadores moderados em todo o mundo árabe dizem que o apoio americano aos combates de Israel contra o Hizbollah os colocou na defensiva, manchando seus nomes e fortalecendo os grupos islâmicos. Os dirigentes que os Estados Unidos queriam que promovessem a democracia, do Bahrein a Casablanca, sentem-se agora encurralados por uma política que hoje ridicularizam, dizendo que ela se propõe mais ou menos a "destruir a região para salvá-la".
Muitos dos reformadores que trabalham por mudanças em suas próprias sociedades e que vivem isolados, assediados pela polícia ou marginalizados, dizem que a política americana estrangula os movimentos reformistas incipientes ou reforça os governos repressivos que ainda são os maiores aliados de Washington no mundo árabe.
"Temos medo real deste novo Oriente Médio", disse o engenheiro de computação Ali Abdulemam, 28, que fundou o mais popular site político no Bahrein. Ele se referia à declaração feita no mês passado pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, de que a situação no Líbano representa as dores de parto de um "novo Oriente Médio". "Eles nunca mencionam o que as pessoas querem. Na realidade, estão apenas conferindo mais poder aos sistemas já instalados."
Fawaziah al Bakr, que defende os direitos das mulheres e transformações na educação na Arábia Saudita, ajudou a organizar mulheres para protestar contra os ataques israelenses. "Ninguém está falando de reformas na Arábia Saudita", disse ela. "Não há dúvida de que os EUA estão moralmente derrotados. Mesmo que você goste do povo e da cultura americanos, é impossível defender os EUA como país."
Sobhe Salih, 53, advogado que integra a Irmandade Muçulmana, que no ano passado obteve um quinto do Parlamento egípcio, comentou que os EUA "quiseram macular os movimentos de resistência e de oposição islâmicos, mas, na realidade, acabaram por favorecê-los. Eles os tornaram mais atraentes ao público".
Basta assistir à televisão para ver cenas do caos no Líbano, em Bagdá ou em Gaza. Normalmente é preciso um ou dois minutos para identificar qual cidade árabe está ardendo em chamas. As emissoras populares de notícias via satélite, como a Al Jazira, repetem a todo momento que a carnificina decorre da política dos EUA.
Antes de 2003, o mais difícil para qualquer movimento islâmico era recrutar seguidores, observa Mohamed Salah, especialista em movimentos extremistas islâmicos do jornal "Al Hayat", no Cairo. A passagem de devoto muçulmano comum a extremista era um processo demorado. Mas isso deixou de ser verdade, diz ele.

Incoerências
Os moderados dizem que se desesperam diante do que qualificam como incoerências da política de Washington. Exemplo: vive no Líbano um clérigo xiita que preside uma milícia que tem vínculos com o Irã. É o xeque Hassan Nasrallah, e Washington aprova a campanha de bombardeios de Israel para erradicar sua organização, que é o Hizbollah.
Existe outro clérigo xiita que usa turbante negro e preside uma milícia diferente, que também atua clandestina e tem vínculos com o Irã. Seu nome é Abdel Aziz al Hakim. Mas ele mora no Iraque. E é aliado dos Estados Unidos.
A comparação é feita pelo engenheiro civil jordaniano Samir al Qudah.
"Os setores que pedem reformas democráticas no Egito já constataram que, quando os interesses de Israel conflitam com os da reforma política no Oriente Médio, os EUA imediatamente favorecem os interesses de Israel", declarou Ibrahim Issa, editor do semanário "Al Dustour". Issa é acusado de ter insultado o presidente egípcio Hosni Mubarak e corre o risco de ser preso.


Tradução de Clara Allain

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