São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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O GÊNERO DO TERROR

"Viúvas negras" tchetchenas tomaram parte em todos os atentados recentes na Rússia

Mulher assume papel-chave em ataques

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A recente e brutal onda de atentados ocorrida na Rússia, que deixou mais de 400 mortos, incluindo inúmeras crianças, explicitou o crescente papel desempenhado por mulheres suicidas nas estruturas armadas do terrorismo islâmico.
Os quatro atentados ocorridos na Rússia nas últimas semanas tiveram mulheres como protagonistas. Foram elas que carregavam as bombas que derrubaram dois aviões Tupolev no centro do país em 24 de agosto, matando 89 pessoas. Uma mulher-bomba matou nove no metrô de Moscou uma semana depois. E, segundo autoridades russas, mulheres portando cintos-bomba foram encontradas entre os mais de 300 mortos de Beslan.
De acordo com analistas ouvidos pela Folha, trata-se de uma mudança no "modus operandi" do terrorismo islâmico.
"O uso de mulheres nos atentados suicidas constitui uma real mudança no modo como os extremistas islâmicos lidam com elas. Antes, eles tendiam a relegá-las ao segundo plano, às tarefas auxiliares, mas agora passaram a permitir que elas desempenhem papéis cruciais nas missões", explicou Diederik Lohman, especialista em Tchetchênia da Human Rights Watch.
A primeira vez em que mulheres tiveram um papel vital num atentado terrorista foi em 2002, quando terroristas tchetchenos fizeram mais de 700 reféns num teatro de Moscou. Ao menos 18 dos seqüestradores eram mulheres, de acordo com autoridades russas. No mesmo ano, as primeiras mulheres suicidas palestinas surgiram em Israel. Hoje grupos terroristas como o Hamas palestino já admitem o recrutamento de mulheres.
Como salientou Mark Kramer, especialista em Rússia da Universidade Harvard, o fenômeno tem razões simbólicas e práticas.
"O simbolismo é muito forte, pois, com isso, os terroristas islâmicos buscam mostrar que os algozes são, na verdade, vítimas, agindo de modo violento por conta da situação desesperadora em que se encontram. As "viúvas negras" tchetchenas encarnam perfeitamente esse modelo. Afinal, perderam maridos ou filhos na década de conflitos com os russos", apontou Kramer.
"Ademais, como são normalmente consideradas, tanto no Ocidente quanto nos mundos árabe e muçulmano, protetoras de vidas, não exterminadoras de civis, por serem mães, as mulheres tchetchenas são retratadas, ao menos em parte, pela mídia internacional como vítimas da truculência militar russa."
Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, acusam a Rússia de cometer atrocidades na Tchetchênia, incluindo assassinatos extrajudiciais, estupros, tortura generalizada e desaparecimentos.
Ainda para Kramer, a questão prática é muito relevante. "Desde o 11 de Setembro, os serviços de segurança da maior parte dos países têm como principais suspeitos jovens muçulmanos de aparência árabe", avaliou.
"Assim, de acordo com minha colega Jessica Stern [especialista em terrorismo da Universidade Harvard], a percepção de que as mulheres são menos inclinadas a cometer atos violentos, o modo estrito como as muçulmanas se vestem e a dificuldade em realizar revistas nas mulheres islâmicas as tornaram um alvo perfeito para recrutadores de grupos terroristas islâmicos."


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