São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MULTIMÍDIA

Le Monde - de Paris

Estado judeu perde guerra de imagens

FRANÇA - Após uma semana de violência em Israel e nos territórios palestinos, o Estado judaico já perdeu a batalha das imagens e, portanto, da opinião pública.
"As fotos muitas vezes ficam aquém dos fatos, mas também podem exercer um impacto que os amplifica", dizem jornalistas. A máxima se aplica plenamente a Israel, para o qual certas imagens vêm exercendo um efeito desastroso e indelével.
As televisões, os jornais e as revistas do mundo inteiro difundiram as imagens filmadas por um cinegrafista da emissora France 2, mostrando o rosto apavorado do garoto palestino Mohammed al Dirah, 12, morto com uma bala no ventre no dia 30, em Gaza.
No dia seguinte, perto de Nablus, na Cisjordânia, foi morta a menina Sarah, 2. Em 4 de outubro uma criança palestina de 10 anos morreu sob as balas israelenses perto do assentamento judaico de Netzarim, na Faixa de Gaza.
Em sua edição de 5 de outubro, a "Paris Match" publicou, sob a manchete "A guerra que mata crianças", a foto em close de Sarah, com os olhos fechados e a boca ainda ensanguentada, nos braços de sua mãe.
Mohammed se tornou "a criança símbolo da Palestina". "Em toda minha vida, nunca vi algo assim", disse Talal Abu Rhamed, o cinegrafista que fez as imagens -isso apesar de ele ter coberto a Intifada por seis anos, entre 1987 e 1993. A Intifada, aliás, rendeu um número enorme de imagens mostrando o confronto desigual entre garotos armados com pedras (Davi) e soldados israelenses superequipados (Golias).
Foi a partir da Intifada que Israel, segundo um alto funcionário citado pela agência "France Presse", passou a ter "um problema de imagem, não tanto devido aos confrontos em si, mas às imagens transmitidas para o mundo".
Mas as crianças da Intifada eram combatentes, sendo que Mohammed era um garoto sem pedras ou estilingue, um inocente que apenas acompanhava seu pai e que os espectadores puderam ver vivo antes de quase sentirem fisicamente e ao vivo sua morte, caído nos braços do pai que não pôde defendê-lo.
O martírio de Mohammed pode ser comparado a outros ícones do sofrimento de crianças: a menina vietnamita com o corpo nu queimado por napalm e o rosto deformado pela dor, correndo para fugir de seu povoado bombardeado pelos americanos, a garota colombiana Omayra Sanchez, que afundou na lama após um terremoto, em 1985, agonizando durante horas diante de dezenas de objetivas, o olhar resignado das crianças de Biafra, com a pele esticada sobre os ossos e o abdome distendido, entre outras.
Os etnógrafos desconfiam de fotos porque não conhecem o "antes" e o "depois" delas. Às vezes é o próprio "durante" da cena fotografada que causa problemas. Os israelenses terminaram por reconhecer que foram suas balas que mataram Mohammed, mas outra foto da violência em Jerusalém, publicada em 30 de setembro, mostra que não é difícil cair na armadilha da manipulação. Ela mostra um jovem de rosto ensanguentado ameaçado pela arma de um soldado israelense, e a legenda que a acompanhou dizia tratar-se de "um militante palestino na Esplanada das Mesquitas". Na realidade, tratava-se do estudante judeu americano Tuvia Grossman, que, ao lado de dois amigos, foi arrancado à força de um táxi, não na Esplanada das Mesquitas, e espancado por palestinos, até ser socorrido pelo soldado.


Texto Anterior: Matança gera medo de guerra étnica
Próximo Texto: Crise reagrupa "inimigos contra inimigos"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.