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ORIENTE MÉDIO
Onda de violência elimina diferenças internas entre árabes e judeus e traz de volta noção familiar de "nós contra eles"
Crise reagrupa "inimigos contra inimigos"
DEBORAH SONTAG
DO "THE NEW YORK TIMES", EM JERUSALÉM
Na degradante violência dos últimos dez dias, o conflito que fora
cuidadosamente apresentado como um processo de paz mostrou
sua essência: judeus contra árabes, árabes contra judeus.
As diferenças internas em cada
lado foram abandonadas, unindo
direita e esquerda em Israel, governo e oposição entre os palestinos, assim como árabes por toda
região, que antes estavam divididos. A antiga e familiar noção de
"nós contra eles" se enraizou e levou ao combate mais uma vez.
Muitos israelenses, especialmente os favoráveis ao processo
de paz, estão pasmos com a reversão da conjuntura: da perspectiva
de um acordo, voltou-se para o
ódio étnico que subjaz ao sangrento conflito.
Mas os palestinos não se surpreenderam. Para a maioria deles,
a paz era muito frágil.
Os jovens palestinos nacionalistas lançam-se contra os soldados
que representam a ocupação israelense como se houvesse uma
guerra entre dois Estados.
Mas sob essa aparência há uma
batalha antiga. Emerge um conflito ancestral: tribo contra tribo.
Um colono judeu mata um palestino; um palestino mata um
motorista judeu. Esfaquear por
esfaquear, apedrejar por apedrejar: olho por olho. A direita israelense, de certa maneira, regozija-se. Sua profecia se cumpre.
Em Israel, as tensões entre judeus e árabes israelenses chegaram a tal nível que os grupos trocaram pedradas em Nazaré (norte de Israel) no final de semana.
Depois que os palestinos depredaram a Tumba de José na manhã
de sábado, os judeus fizeram o
mesmo com uma antiga mesquita, à noite.
Os jornais israelenses, até mesmo os considerados progressistas, têm contado os mortos segundo o grupo étnico a que pertencem, em vez de considerarem
a nacionalidade. Nas baixas de Israel não são incluídos os árabes
com cidadania israelense que foram mortos pela polícia de seu
próprio Estado. Parece que, como
notaram alguns, Israel e os territórios palestinos voltaram aos
tempos do mandato britânico sobre a região.
No mundo árabe, não havia
unidade há muito tempo. Os
guerrilheiros do Hizbollah apanharam novamente seus Katyusha para ajudar de seu modo os palestinos, apagando as fronteiras
ao norte de Israel. "Hizbollah entra na luta pela Palestina", dizia a
manchete de um jornal libanês
ontem.
O Kuait concordou em participar da reunião da Liga Árabe, no
Cairo, no final deste mês, sem fazer ressalvas à presença do Iraque,
que invadiu seu território em
1990. Motivo: o conflito árabe-israelense fez os árabes transcender
suas diferenças internas.
Para muitos observadores estrangeiros, é difícil entender como o primeiro-ministro de Israel,
Ehud Barak, pode querer formar
com o líder conservador Ariel
Sharon (Likud) um governo de
união nacional. Para várias pessoas, parece que Sharon -foi
após a sua visita à Esplanada das
Mesquitas, local sagrado para judeus e muçulmanos, que eclodiu
a revolta palestina- sabotou o
processo de paz. E Barak, o pretenso pacificador, também.
Mas o que importa para os israelenses agora, qualquer que seja
sua filiação política, é encontrar
um ponto em comum contra o
inimigo. Para o líder palestino
Iasser Arafat, comprova-se uma
opinião que há muito tem propagado: não importa quem dirija Israel, pois todos são sionistas.
Essa visão, contudo, é rechaçada não só por israelenses, mas
também por líderes americanos e
europeus que avalizaram os compromissos de Barak.
Para muitos israelenses, a paz,
recentemente, significava um
pouco menos de medo. Medo do
terrorismo, medo existencial. Para eles, não importava muito se
havia um acordo provisório ou
um permanente.
Entre vários palestinos, porém,
o período de transição para um
tratado final durou muito e não
provocou grandes mudanças. Estão ainda encurralados em campos de refugiados, vivendo na miséria. Ainda enfrentam o controle
israelense nas estradas e os colonos entre suas cidades. Não há nada tão importante para eles como
o retorno dos parentes refugiados
e uma solução para Jerusalém.
"Eu não sei por que os israelenses estão surpresos", diz Khaled
Tomer, de Ramallah (Cisjordânia). "Sempre repetimos que estávamos frustrados, insatisfeitos e
prontos para explodir."
Muitos israelenses, vendo-se no
limite do que poderá se tornar
uma guerra, têm uma sensação de
que o tempo está a lhes cobrar.
"Yom Kippur 2000 é um elo na
cadeia que se liga a Yom Kippur
1973", escreveu o colunista Nahum Barnea, em referência à
guerra de outubro que começou
no feriado religioso. "Parece que o
círculo de hostilidade árabe ao redor do país nunca se quebrou."
"O que está acontecendo aqui?",
perguntou Sever Plotzer no diário
"Yediot Ahronot", de Tel Aviv.
"Duas semanas atrás estávamos
comprando móveis em Ramallah,
apostando em Jericó (onde há um
grande cassino), comprando legumes e frutas em vilarejos da
Cisjordânia. Como isso se relaciona com o horror que estamos presenciando? Entendemos errado o
que ocorria? Onde estava tudo isso escondido, de modo que não
vimos? Onde está a verdade: no
incêndio da Tumba de José ou no
cassino de Jericó? Paz ou guerra?"
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