São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2000

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ORIENTE MÉDIO
Onda de violência elimina diferenças internas entre árabes e judeus e traz de volta noção familiar de "nós contra eles"
Crise reagrupa "inimigos contra inimigos"

DEBORAH SONTAG
DO "THE NEW YORK TIMES", EM JERUSALÉM

Na degradante violência dos últimos dez dias, o conflito que fora cuidadosamente apresentado como um processo de paz mostrou sua essência: judeus contra árabes, árabes contra judeus.
As diferenças internas em cada lado foram abandonadas, unindo direita e esquerda em Israel, governo e oposição entre os palestinos, assim como árabes por toda região, que antes estavam divididos. A antiga e familiar noção de "nós contra eles" se enraizou e levou ao combate mais uma vez.
Muitos israelenses, especialmente os favoráveis ao processo de paz, estão pasmos com a reversão da conjuntura: da perspectiva de um acordo, voltou-se para o ódio étnico que subjaz ao sangrento conflito.
Mas os palestinos não se surpreenderam. Para a maioria deles, a paz era muito frágil.
Os jovens palestinos nacionalistas lançam-se contra os soldados que representam a ocupação israelense como se houvesse uma guerra entre dois Estados.
Mas sob essa aparência há uma batalha antiga. Emerge um conflito ancestral: tribo contra tribo.
Um colono judeu mata um palestino; um palestino mata um motorista judeu. Esfaquear por esfaquear, apedrejar por apedrejar: olho por olho. A direita israelense, de certa maneira, regozija-se. Sua profecia se cumpre.
Em Israel, as tensões entre judeus e árabes israelenses chegaram a tal nível que os grupos trocaram pedradas em Nazaré (norte de Israel) no final de semana. Depois que os palestinos depredaram a Tumba de José na manhã de sábado, os judeus fizeram o mesmo com uma antiga mesquita, à noite.
Os jornais israelenses, até mesmo os considerados progressistas, têm contado os mortos segundo o grupo étnico a que pertencem, em vez de considerarem a nacionalidade. Nas baixas de Israel não são incluídos os árabes com cidadania israelense que foram mortos pela polícia de seu próprio Estado. Parece que, como notaram alguns, Israel e os territórios palestinos voltaram aos tempos do mandato britânico sobre a região.
No mundo árabe, não havia unidade há muito tempo. Os guerrilheiros do Hizbollah apanharam novamente seus Katyusha para ajudar de seu modo os palestinos, apagando as fronteiras ao norte de Israel. "Hizbollah entra na luta pela Palestina", dizia a manchete de um jornal libanês ontem.
O Kuait concordou em participar da reunião da Liga Árabe, no Cairo, no final deste mês, sem fazer ressalvas à presença do Iraque, que invadiu seu território em 1990. Motivo: o conflito árabe-israelense fez os árabes transcender suas diferenças internas.
Para muitos observadores estrangeiros, é difícil entender como o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, pode querer formar com o líder conservador Ariel Sharon (Likud) um governo de união nacional. Para várias pessoas, parece que Sharon -foi após a sua visita à Esplanada das Mesquitas, local sagrado para judeus e muçulmanos, que eclodiu a revolta palestina- sabotou o processo de paz. E Barak, o pretenso pacificador, também.
Mas o que importa para os israelenses agora, qualquer que seja sua filiação política, é encontrar um ponto em comum contra o inimigo. Para o líder palestino Iasser Arafat, comprova-se uma opinião que há muito tem propagado: não importa quem dirija Israel, pois todos são sionistas.
Essa visão, contudo, é rechaçada não só por israelenses, mas também por líderes americanos e europeus que avalizaram os compromissos de Barak.
Para muitos israelenses, a paz, recentemente, significava um pouco menos de medo. Medo do terrorismo, medo existencial. Para eles, não importava muito se havia um acordo provisório ou um permanente.
Entre vários palestinos, porém, o período de transição para um tratado final durou muito e não provocou grandes mudanças. Estão ainda encurralados em campos de refugiados, vivendo na miséria. Ainda enfrentam o controle israelense nas estradas e os colonos entre suas cidades. Não há nada tão importante para eles como o retorno dos parentes refugiados e uma solução para Jerusalém.
"Eu não sei por que os israelenses estão surpresos", diz Khaled Tomer, de Ramallah (Cisjordânia). "Sempre repetimos que estávamos frustrados, insatisfeitos e prontos para explodir."
Muitos israelenses, vendo-se no limite do que poderá se tornar uma guerra, têm uma sensação de que o tempo está a lhes cobrar. "Yom Kippur 2000 é um elo na cadeia que se liga a Yom Kippur 1973", escreveu o colunista Nahum Barnea, em referência à guerra de outubro que começou no feriado religioso. "Parece que o círculo de hostilidade árabe ao redor do país nunca se quebrou."
"O que está acontecendo aqui?", perguntou Sever Plotzer no diário "Yediot Ahronot", de Tel Aviv. "Duas semanas atrás estávamos comprando móveis em Ramallah, apostando em Jericó (onde há um grande cassino), comprando legumes e frutas em vilarejos da Cisjordânia. Como isso se relaciona com o horror que estamos presenciando? Entendemos errado o que ocorria? Onde estava tudo isso escondido, de modo que não vimos? Onde está a verdade: no incêndio da Tumba de José ou no cassino de Jericó? Paz ou guerra?"


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