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ANÁLISE
EUA transformaram vitória militar em derrota política
O mais espantoso dos 6 meses de ocupação é que ela chegou a provocar saudades de Saddam Hussein em alguns setores
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PATRICK COCKBURN
DO "INDEPENDENT", EM BAGDÁ
Seis meses depois da entrada
triunfal dos tanques americanos
no centro de Bagdá e da célebre
cena da derrubada da estátua de
Saddam Hussein, os EUA transformaram sua vitória militar no
Iraque em derrota política.
Talvez os EUA imaginassem
que ontem seria um dia em que
iraquianos felizes iriam comemorar a derrubada de um déspota.
Em lugar disso, foi marcado por
mais derramamento de sangue e
mortes de estrangeiros e iraquianos aliados dos EUA.
Cresce o consenso geral de que
os EUA fracassaram no país porque ignoraram os iraquianos,
permitiram que o Estado se dissolvesse e desmantelaram o Exército do Iraque.
O representante dos EUA no
Iraque, Paul Bremer, assumiu
uma atitude de desafio ontem
quando retratou o trabalho da potência ocupante nos últimos seis
meses sob a melhor ótica possível.
Na realidade, porém, os EUA
não proporcionaram à população
iraquiana uma vida melhor do
que a que ela tinha sob o regime
de Saddam Hussein. Um empresário iraquiano comentou em
tom cáustico: "Eles disseram que
éramos inteligentes o suficiente
para construirmos armas de destruição em massa capazes de colocar o mundo em risco, mas agora nos tratam como índios numa
reserva do oeste americano no final do século 19".
Mísseis americanos e saqueadores iraquianos devastaram Bagdá
durante e imediatamente após a
guerra. Mas as principais obras
em construção na cidade, hoje,
não têm nada a ver com ajudar a
população iraquiana e tudo a ver
com proteger as forças de ocupação. Enormes muros pré-fabricados de concreto foram erguidos
em torno do quartel-general da
Autoridade Provisória da Coalizão, que supostamente governa o
Iraque e está abrigada dentro do
antigo Palácio Republicano de
Saddam Hussein. É comum ouvir
iraquianos comentarem que Paul
Bremer, o chefe da Autoridade
Provisória da Coalizão, vive mais
isolado ainda do que Saddam.
Por que os EUA, seguidos de
perto pelo Reino Unido, fracassaram tão redondamente na empreitada de conquistar o apoio
popular dos iraquianos? Deveria
ter sido muito mais fácil. Os iraquianos nunca gostaram de Saddam Hussein. Sua base de apoio
era estreita. Isso explica a extraordinária brutalidade de seu regime. Saddam lançou duas guerras
desastrosas, uma contra o Irã, em
1980, e outra no Kuait, em 1990,
sendo que esta última arruinou
seu país. O Exército iraquiano não
foi à luta por ele durante a rápida
guerra do início
do ano, que durou apenas três
semanas. Os
tanques iraquianos descritos
com tanta emoção pelos correspondentes de
televisão que
acompanharam
o Exército americano foram, em sua maioria,
abandonados antes de serem
atingidos.
Os EUA estavam certos de que
seus soldados seriam saudados
por multidões entusiasmadas.
Exilados iraquianos em Washington lhes haviam dito que isso seria
o mínimo que poderiam esperar.
Mas, mesmo que a maioria dos
iraquianos odiasse Saddam Hussein, isso não quer dizer que quisesse que seu país fosse ocupado
por um regime colonial. Muitos
deles acreditavam que Saddam só
tinha sobrevivido no poder devido ao apoio dos EUA que tivera
no passado. Eles recordavam com
amargura os sofrimentos suportados em função das sanções internacionais impostas ao Iraque
nos anos 1990, durante os quais
eles viveram na pobreza, enquanto Saddam Hussein erguia grandiosos palácios e
mesquitas.
O primeiro desastre para os
EUA foi o de não
terem impedido
os saques em todas as cidades do
Iraque. Seis meses mais tarde, os
iraquianos ainda repetem que "o
único ministério que eles protegeram foi o do Petróleo". A maioria
deles, se não todos, acredita que a
razão da presença dos EUA em
seu país é exatamente o petróleo.
Em seguida, em maio, os americanos desmantelaram o Exército
iraquiano, que tinha 400 mil homens. Os salários que eles recebiam eram baixos, mas, com muitas pessoas passando fome e o índice de desemprego no país beirando os 75%, a iniciativa provocou uma reação furiosa.
Paul Bremer voltou atrás e começou a pagar salários, mas era
tarde demais: a guerra de guerrilha já estava começando, principalmente na região sunita, ao
norte de Bagdá.
O que mais chama a atenção dos
iraquianos na abordagem oficial
americana é a arrogância e a ignorância. Havia pessoas no Departamento de Estado que sabiam
muito sobre o Iraque, mas elas foram postas de escanteio pelos
neoconservadores e os civis do
Pentágono.
Existe, teoricamente, uma saída
para os EUA e o Reino Unido. Eles
poderiam transferir poder para os
iraquianos, começando por delegar autoridade real ao Conselho
de Governo do Iraque, composto
de exilados e adversários de Saddam Hussein. Não é um organismo perfeito, mas pelo menos seus
integrantes falam árabe. Mas
Mahmoud Othman, um de seus
integrantes mais respeitados, falando com o "Independent" no
início da semana, lamentou o fato
de o Conselho "não ter muito poder". Ele destacou que os EUA
convidaram 10 mil soldados turcos a entrar no Iraque sem mesmo uma consulta prévia aos integrantes do órgão.
Aos olhos da população iraquiana e do mundo, os EUA e o
Reino Unido também precisam
de legitimidade, algo que só pode
ser proporcionado pela ONU.
Não será suficiente trazer para o
país tropas de El Salvador e da
Ucrânia, como parte do que já foi
descrito como "a coalizão dos subornados". Entretanto, desde a
explosão que destruiu seu quartel-general no hotel Canal, a ONU
tem menos funcionários no país
do que em qualquer momento
desde 1991. E, de qualquer maneira, transferir o poder real para a
ONU seria uma humilhação grande demais para Bush.
O mais espantoso dos seis meses de ocupação americana do
Iraque é que ela chegou ao ponto
de provocar saudades de Saddam
Hussein em alguns setores do
país. Em Baiji, no fim de semana,
manifestantes agitavam sua foto e
gritavam: "Com nosso sangue e
nosso espírito morreremos por ti,
Saddam". Quem teria imaginado
que isso fosse possível quando a
estátua dele foi derrubada, há
apenas seis meses?
Tradução de Clara Allain
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