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ENTREVISTA
Intelectual conservador com trânsito na Casa Branca afirma que, por causa disso, americanos podem decidir se isolar
Mundo é ingrato com os EUA, diz Hanson
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Cresce nos EUA uma forte tendência ao isolacionismo, em que
pesem os efeitos globalizados da
política de combate ao terrorismo
do governo George W. Bush.
É o que afirma Victor Davis
Hanson, 50, helenista, professor
da Universidade da Califórnia,
autor de 14 livros e um dos mais
efusivos polemistas do conservadorismo norte-americano.
Hanson, um dos intelectuais
que frequentam a Casa Branca,
não associa o risco de isolacionismo só à vitória de um democrata
com o perfil de Howard Dean nas
eleições presidenciais deste ano.
Há a soma de fatores mais difusos, como os efeitos da reconstrução do Iraque no bolso do contribuinte e a sensação de que há
muita ingratidão por parte de tradicionais aliados europeus.
Eis os principais trechos de sua
entrevista à Folha.
Folha - É possível prever o que
ocorrerá na sequência da guerra no
Iraque? O país "exportará" democracia ao mundo árabe?
Victor Hanson - Essa é a grande
pergunta de nossos dias. Antes
víamos as reformas democráticas
no Oriente Médio como o último
objetivo, não o primeiro. A "realpolitik" amoral nos levava a deixar que as ditaduras nos vendessem petróleo e afastassem seus
países do comunismo. Mas o raciocínio não funciona mais no
pós-Guerra Fria. E ainda por cima
cria patologias como as que levaram ao 11 de Setembro.
É irônico que a atual política externa dos EUA, amplamente criticada pelas esquerdas, constitua
aquilo que antigamente os radicais denominavam de libertação
nacional. Derrubar autocracias
odiosas como as do Panamá, de
Granada, da Sérvia e do Afeganistão e substituí-las por governos
consensuais supõem que os EUA
se tornaram hoje uma força "radical" e bastante revolucionária no
mundo contemporâneo.
Folha - Em um de seus livros o sr.
disse que responder à violência
com violência é por vezes a única
opção moral. Há a seu ver uma nova ética em formação?
Hanson - É possível que a cultura
terapêutica amoral esteja hoje
bem mais exposta àquilo que ela
reconditamente sempre foi. Afinal, quantos xiitas a mais seriam
mortos por Saddam Hussein?
Quantos cadáveres da Bósnia e de
Kosovo se somariam aos 200 mil
que Milosevic produziu?
A questão não está na guerra
entre o bem e o mal, mas entre algo ruim e algo melhor. A busca da
perfeição utópica nos conduz à
paralisia e à moralidade dos mortos. A maior parte dos inocentes
que pereceram no século 20 -o
mais sanguinário dos séculos-
não tombou como soldados, mas
como vítimas de Stálin, Hitler,
Mao ou Pol Pot. Voltamos recentemente a assistir ao mesmo filme
em Ruanda. Até que ponto era
moral fazer discursos enquanto
milhões estavam morrendo?
Folha - Texto seu na "National Review" esboça um retrato dos EUA
profundamente divididos. Como
questões como Iraque e Afeganistão serão tratadas se o democrata
Dean se eleger presidente?
Hanson - Seriam muito impropriamente tratadas. Os terroristas
se convenceriam de que bastaria
alguns meses de seguidos atentados para que os EUA se transformassem num novo Líbano, capitulando diante das forças que
provocaram o 11 de Setembro. As
críticas que os EUA recebem em
países estrangeiros fazem parte
do jogo da política internacional.
Mas, creia-me, caso Dean se eleja
esses países ficariam aterrorizados com sua inconsistência, sua
tendência ao isolacionismo e sua
abdicação da responsabilidade.
Folha - Será que o contribuinte
norte-americano não se cansará
desse papel de "hiperpotência"?
Hanson - E isso ocorre quando
gastamos US$ 100 bilhões na reconstrução do Iraque, e as TVs
árabes glorificam os que assassinam americanos que lhes reconstroem escolas. Isso fere os americanos, sobretudo quando a retórica é infantil e parte de sociedades
autocráticas e brutais. Eu me
preocupo com um novo isolacionismo. Há uma crescente mentalidade em meu país que se resume
assim: "O mundo é terrível e inóspito; não vale a pena. Vamos ficar
em casa e deixar que eles cuidem
de seus próprios piolhos".
Folha - Essa tendência seria própria ao Partido Democrata?
Hanson - Os democratas tentaram com algum sucesso propagar
tais idéias, formando uma estranha aliança com paleoconservadores e esquerdistas que se opunham à libertação do Iraque, com
base na afirmação de que não valia a pena gastar dinheiro numa
guerra e que 26 milhões de iraquianos não valiam tanto quanto
um soldado americano.
Folha - Mas a ocupação do Iraque
afeta negativamente a economia
dos Estados Unidos.
Hanson - Há um déficit orçamentário e comercial, há a queda
do dólar. Muitos americanos se
perguntam a razão pela qual continuamos a defender a Europa
que nos esnoba, ou que mantenhamos déficits comerciais com
países que interpretam isso como
fraqueza e não magnanimidade.
Creio que esse seja o grande problema que em breve será muito
comentado.
O mundo poderá ter seu troco e
receber um "adeus e boa sorte para todos!" Haveria nisso um erro
terrível. O isolacionismo e o chauvinismo são reações emocionais,
não racionais. Mas seríamos estúpidos caso não tivéssemos consciência de que esse ressentimento
está crescendo entre nós.
Será que, por exemplo, o Brasil
gostaria que a China ou o Irã, uma
ditadura e uma teocracia, tivessem 7.000 ogivas nucleares e navegassem em seu litoral com essas
armas?
O risco está na criação de um
vazio mundial de liderança quando os americanos disserem "basta". O mundo no fundo tem sorte
pelo fato de os EUA -e não a Alemanha nazista ou a URSS- exercerem essa missão.
Folha - Nunca foi tão profundo o
fosso que separa os EUA de seus
tradicionais aliados europeus.
Aonde isso pode chegar?
Hanson - Contrariamente ao que
se acredita, isso não tem nada a
ver com a administração Bush,
tampouco com termos vazios
("unilateralismo" ou "hegemonia") que frequentam as declarações de intelectuais de uma Europa desarmada. Ela vê as instituições internacionais como instrumentos de pressão contra os Estados Unidos.
Lembremos que os europeus ficaram por dez anos com o holocausto sérvio nas mãos, e que os
EUA resolveram o problema com
sete semanas de bombardeio. Os
europeus nunca fariam algo arriscado.
Folha - O sr. é excessivamente
cruel com os europeus.
Hanson - Creio que a Europa,
com seu idealismo e utopias, é como um adolescente que sai com
um carro e acredita que ele seja
seu, por mais que sejam os pais
que paguem a gasolina, o seguro e
as prestações. Some-se a isso o fato de os Estados Unidos serem
plutocráticos, em lugar de guiados por interesses de classe, como
os europeus.
Recoloquemos 300 divisões soviéticas na Europa do leste e vejamos se o chanceler Schröder [premiê alemão] continuaria a se opor
aos americanos.
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