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NORBERTO BOBBIO (1909-2003)
Pensador italiano, que morreu na última sexta-feira, tem sua obra analisada pelo economista Luiz Carlos Bresser Pereira e o professor de filosofia Roberto Romano
Democrata, liberal e mais: socialista
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
Norberto Bobbio foi um dos
mais importantes filósofos políticos do século 20. Professor de filosofia do direito, combinou de
forma extraordinária uma formação liberal com uma perspectiva democrática e socialista.
Seu liberalismo deveu muito a
Benedetto Croce e a Luigi Einaudi, enquanto seu socialismo derivava em parte do pensamento
marxista, mas sobretudo de seus
precursores socialistas liberais,
Carlo Rosselli e Piero Gobetti.
Dessa forma, ainda que fosse
um pessimista, ou, como ele preferia se autodenominar, um realista, logrou algo que poderia parecer utópico: combinar as duas
grandes ideologias que desde o
século 19 disputaram a hegemonia no mundo moderno.
Bobbio foi um homem que viveu intensamente seu tempo e
viu, afinal, sua participação política reconhecida quando foi eleito senador vitalício na Itália. Seus
grandes inimigos foram os extremismos: o fascista e suas sobrevivências na Itália moderna, e o comunismo soviético, que ele não
identificava a Marx.
Em 1993, minha admiração por
sua obra e minha identificação
com suas idéias socialistas-liberais levaram-me a retornar à minha primeira profissão, a de jornalista, e a viajar até Turim, onde
sempre viveu, para entrevistá-lo.
Encontrei um homem afável e
cheio de vigor. A entrevista durou cerca de duas horas e foi depois publicada pelo Mais!.
Entendia possível a combinação de liberalismo e socialismo,
mas como uma forma de compromisso, em que as duas partes
cedem um pouco. Para que haja
acordo, nem o liberalismo nem o
socialismo podem ser entendidos de forma radical.
O liberalismo político é legítimo e pode ser pleno, na medida
em que defende as liberdades, os
direitos civis, enquanto o liberalismo econômico deve ser limitado, para que haja espaço para a
afirmação da justiça social. O socialismo, portanto, não pode significar a eliminação da propriedade privada, muito menos a estatização, mas certamente significa a defesa de uma maior igualdade e a afirmação dos direitos
sociais através do Estado.
Bobbio sabia que nem liberais
nem socialistas gostariam de
suas idéias e prefeririam continuar o combate ideológico. Talvez por isso ele fosse cuidadoso
em combinar as duas ideologias,
acentuando o caráter de compromisso em que estava envolvido.
Eu compreendo essa preocupação, mas, talvez porque não tenha vivido com tanta intensidade
os combates entre liberais e socialistas, estou convencido de
que essa combinação é mais do
que um compromisso: é a afirmação sucessiva dos direitos civis, políticos e sociais.
O liberalismo também conflitou com a democracia, mas hoje
poucos se lembram disso. Da
mesma forma suponho que no
futuro poucos lembrarão os conflitos entre o socialismo e o liberalismo. A cada uma dessas três
ideologias correspondeu, historicamente, à afirmação de um dos
três direitos de cidadania fundamentais: os direitos civis foram
afirmados pelo liberalismo, os
políticos, pela democracia, e os
sociais, pelo socialismo.
Bobbio teve uma grande influência no Brasil. Hoje, outros
autores dominam o debate filosófico-político. O tema central é a
democracia deliberativa, que é
defendida a partir de uma perspectiva político-liberal e progressista por esses dois grandes filósofos. Ora, essa perspectiva não é
outra coisa senão a do socialismo-liberal de Bobbio, cuja obra
continua uma fonte fundamental
de conhecimento e inspiração
para quem queira entender a realidade política do nosso tempo.
Luiz Carlos Bresser Pereira, 69, é professor de economia na FGV-SP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da
Fazenda (governo Sarney).
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