São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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Mídia dos EUA passa a exibir imagens fortes da guerra

CATHERINE HOURS
DA FRANCE PRESSE, EM NOVA YORK

As imagens mostram um soldado ferido carregado numa maca e o cadáver de um marine num saco plástico. Desde o início da semana e da deterioração da situação no Iraque, os jornais americanos não vêm hesitando em mostrar a guerra sob um lado mais realista.
O aumento do número de mortos e acontecimentos específicos como o assassinato e a brutal mutilação de quatro civis americanos na cidade de Fallujah levaram a ser quebrado o tabu que impedia que se mostrassem as vítimas americanas nos meios de comunicação, segundo especialistas nesses meios.
Na sexta-feira, muitos jornais publicaram a foto de um grupo de marines rezando diante do cadáver de um membro de sua unidade que morreu dos ferimentos sofridos, num posto de primeiros socorros em Fallujah. O ""USA Today" publicou a foto de outro marine ferido segurando as mãos de seus companheiros, enquanto aguardava atendimento.
Desde a Guerra do Vietnã (1965-75), as autoridades americanas tentam controlar o uso de imagens dos conflitos pela grande imprensa. A partir da Guerra do Golfo, em 1991, foi proibido fotografar os ataúdes com os corpos de militares que chegavam aos Estados Unidos.
""De fato, o movimento que está acontecendo é em direção a uma situação mais normal, com a publicação das fotos dos mortos. Afinal, o que se faz em uma guerra é matar", disse Jim Naurekas, da organização de análise dos meios de comunicação Fairness and Accuracy in Reporting (justiça e acurácia no jornalismo).

Novas diretrizes
As diretrizes editoriais, afirmou, também mudaram repentinamente. ""Ao longo da guerra, os órgãos de imprensa evitavam publicar imagens dos soldados americanos feridos ou mortos. Esse tem sido um dos maiores tabus do conflito", disse Naurekas.
""Existe a idéia de que publicar fotos de soldados feridos prejudicaria o apoio popular à guerra. Especialmente no auge dos combates do ano passado, havia a idéia de que qualquer coisa que pudesse reduzir o apoio público à guerra seria pouco patriótico." Para Naurekas, ""existe bastante autocensura na mídia".
Robert Thompson, diretor do Centro para o Estudo da Televisão Popular da Universidade Syracuse, em Nova York, acredita que os acontecimentos em campo no Iraque e as mudanças em Washington modificaram a cobertura da imprensa.
""Os jornalistas americanos e os canais de televisão provavelmente estão um pouco menos arredios hoje quando se trata de reportar alguns assuntos em mais detalhe e mostrar mais fotografias do que antes, quando havia todo um clima de unidade nacional", disse Thompson.
O assassinato dos quatro civis americanos em Fallujah há pouco mais de uma semana quase acabou com o tabu, segundo Thompson. Os cadáveres queimados de dois dos quatro civis foram mutilados e pendurados em uma ponte, e as imagens foram largamente difundidas nos EUA. ""A mutilação dos cadáveres em Fallujah foi em grande medida responsável pela mudança, porque seria difícil contar a história sem as fotos", disse Naurekas.
A rede CNN exibiu diversas vezes imagens de um soldado com a parte inferior de seu corpo banhada em sangue enquanto era retirado da batalha em um caminhão, e também as de outros marines feridos abandonando um tanque.
Importantes jornais americanos publicaram nesta semana a foto de um marine na cidade iraquiana de Ramadi carregando sobre o ombro o cadáver de um colega dentro de um saco plástico.
Também foram largamente difundidas uma foto de soldados chorando ao serem informados da morte de companheiros e a de um médico segurando a mão de um marine ferido dentro de um veículo militar, depois de uma emboscada.
""Enxergar a realidade pode afetar as pessoas e a percepção que elas têm da guerra", disse Naurekas. ""É fato sabido que imagens têm impacto emocional maior do que palavras."
Já Thompson acredita que o impacto das imagens seja significativo apenas se elas forem divulgadas por tempo prolongado. ""Uma imagem qualquer não vai modificar a opinião pública de maneira significativa", disse ele. ""Mas, se tivermos mais algumas semanas como as recentes, e se todas essas imagens se juntarem, então uma mudança poderá realmente se produzir."
O acadêmico lembrou que muitas imagens terríveis saíram da Guerra do Vietnã, mas que ""foi só depois de estarmos lá por algum tempo, e de as imagens continuarem a chegar sem parar, que a opinião pública começou a mudar realmente".


Tradução de Clara Allain


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