São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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País necessita agora de soldados para realizar patrulhas contra os insurgentes, mas eles estão em falta

Forças dos EUA no Iraque estão no limite

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

As Forças Armadas norte-americanas estão hoje no limite da sua capacidade de conter a sublevação no Iraque. E estariam em apuros se surgisse uma nova grande crise -uma invasão da Coréia do Sul pela Coréia do Norte, por exemplo.
O motivo disso são a paulatina diminuição do número de tropas desde o fim da Guerra Fria com o mundo comunista e a crescente crença de que a alta tecnologia serviria para contrabalançar a lacuna de "botas no terreno".
Por mais poder de fogo que tenham tanques, canhões e aviões, ou por mais "cirúrgica" que seja a pontaria dos mísseis, comboios de remédios, combustível e alimentos precisam de soldados com prosaicos fuzis e metralhadoras para protegê-los.
O secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, é considerado um dos maiores entusiastas da equação "bombas inteligentes + forças especiais", mas a filosofia vem de bem antes.
Se na década de 80 do século passado as Forças Armadas americanas tinham mais de 2 milhões de homens e mulheres, hoje têm 1,4 milhão.
O Exército foi particularmente afetado. De 781 mil homens e mulheres, passou para o máximo permitido por lei, de 480 mil -embora hoje os números estejam um pouco acima disso, dada a urgência de reter pessoal.
Forças mais leves, mais ágeis e tecnicamente mais sofisticadas podem até ganhar as guerras mais rapidamente que suas antecessoras pesadonas. Mas têm muito mais dificuldade para policiar um país ocupado de grandes dimensões e densamente povoado, como é o caso do Iraque.
As forças especiais foram importantes no conflito do ano passado, por exemplo, para evitar que as pontes iraquianas fossem destruídas antes da chegada do grosso das tropas. Mas essas forças altamente treinadas custam caro para treinar e são por definição pouco numerosas.
Os norte-americanos precisam agora de soldados comuns fazendo patrulhas ostensivas. E eles estão em falta.
"Muitos analistas militares e membros do Congresso consideram que o Exército dos EUA esteja estendido demais e potencialmente incapaz de lidar com uma presença a longo prazo no Iraque -ainda mais se estourasse uma guerra na península coreana", afirmou um profético relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, já no ano passado.
As tropas de ocupação precisam ser trocadas de tempos em tempos. Os EUA têm 180 mil soldados em operações no exterior, dos quais 130 mil no Iraque.
Ou seja, praticamente um terço do Exército está em zonas de combate. Mas, no planejamento militar, o ideal é ter 5 soldados para cada 1 em operações ativas, para manter em boas condições o treinamento, a recuperação, a prontidão e, não menos importante, o moral da tropa. Além de, algo que está cada vez mais em pauta, substituir os mortos e feridos.
Manter esse total de soldados em atividade hoje só é possível com o uso de reservistas, que criam um problema adicional, pois não podem ficar muito tempo longe de suas ocupações civis. Simplesmente não há soldados profissionais em número suficiente.
Já no ano passado também foi tomada uma decisão impopular: cancelar a baixa de muitos reservistas e profissionais. O Exército simplesmente os reteve, e pronto.
O deslocamento para uma região de combate tende a afetar algumas unidades mais do que outras. Uma força armada inclui desde o soldado de linha de frente -os "dentes", no jargão militar-, até aqueles na retaguarda trabalhando com burocracia ou logística -a "cauda" do Exército.
As operações no Iraque, nos Bálcãs e no Afeganistão têm demandado mais "dentes" do que "cauda" -nada menos que 24 das 33 brigadas de combate estão fora dos EUA (uma brigada, em alguns Exércitos chamada de regimento, é uma unidade com 3.000 a 5.000 homens).
E mesmo a "cauda" tem sido afetada. Soldados que não são propriamente combatentes, mas são vitais para a ocupação do Iraque, têm sido mantidos na região por muito mais tempo do que gostariam. É o caso dos intérpretes, por exemplo.
Os EUA contam também com um numeroso Corpo de Fuzileiros Navais, com cerca de 174 mil homens e mulheres. Esses marines sofrem os mesmos problemas de falta de pessoal e de rodízios prolongados nas áreas operacionais. Muito de seu equipamento é otimizado para operações anfíbias, desembarques em praias, e não para patrulhar zonas urbanas.
A crise atual já está afetando os planos do Pentágono. A 1ª Divisão Blindada provavelmente vai permanecer mais tempo que o previsto no Iraque. E a 3ª Divisão de Infantaria, a mesma que tomou Bagdá, talvez tenha de voltar para lá. Não é difícil imaginar o moral dos soldados e de suas famílias sobre essas hipóteses.


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