São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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Europeus elegem direita para lidar com bolso e imigração

Conservadores consolidam supremacia com vitória na Itália e nas municipais britânicas

Movimento reflete crise de identidade da esquerda e sintonia maior da direita com as preocupações do eleitorado, dizem analistas


SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A proliferação de governos de direita à frente dos principais países europeus, uma década depois da "onda rosa" social-democrata, reflete ao mesmo tempo uma alternância cíclica na preferência do eleitorado e uma maior sintonia dos conservadores com as preocupações dos eleitores.
A avaliação foi feita por observadores da vida política européia, consultados pela Folha a respeito da guinada iniciada em 2005 com a derrota dos social-democratas nas legislativas alemãs e a chegada ao poder de Angela Merkel.
O movimento vem se acentuando desde então.
Silvio Berlusconi acaba de reassumir o governo da Itália. Os conservadores britânicos obtiveram uma vitória arrasadora nas eleições municipais do último domingo, faturando até a Prefeitura de Londres. E Nicolas Sarkozy, mesmo desgastado, festejou na semana passada seu primeiro ano na Presidência francesa.
A tendência se reflete também em países menores como Dinamarca, Bélgica e Holanda, dando à direita um momento de supremacia incontestável no Velho Continente.
Para o analista belga Jean-Benoit Pilet, o movimento traduz uma renovação cíclica que é natural.
"Os anos 50 a 70 foram da esquerda. A direita voltou com um programa neoliberal nos anos 80. Na década seguinte, a esquerda ressurgiu com o novo perfil ideológico da Terceira Via, com Tony Blair, Massimo D'Alema, Gerhard Schröder e Lionel Jospin", diz Pilet, numa referência ao misto de liberalismo econômico e bem-estar social defendido pelos dirigentes de Reino Unido, Itália, Alemanha e França na segunda metade dos anos 90.
O inglês Tony Judt também enxerga ciclos nos rumos políticos da UE, mas ele relativiza a coerência desses movimentos. "Não acho que tenha havido uma "onda rosa" padronizada dez anos atrás. Blair, por exemplo, era muito mais próximo de Thatcher [Margaret, a ex-premiê conservadora britânica] do que qualquer socialista europeu", diz Judt.
Segundo Pascal Delwit, reitor da faculdade de Ciências Políticas da Universidade Livre de Bruxelas, a esquerda européia é responsável pelo próprio desamparo.
"Os governos social-democratas não conseguiram enfrentar problemas como o aumento da desigualdade social e a reforma fiscal e, portanto, não conquistaram apoio de longo prazo", diz Delwit, que cita a recente derrota trabalhista nas legislativas britânicas como um caso típico de desgaste no poder.
Segundo Judt, a perda de identidade dos partidos de esquerda confundiu o eleitorado. "Os trabalhistas britânicos, os socialistas franceses e os social-democratas alemães adotaram políticas tão próximas de seus rivais de centro e direita que, em vez de ganhar novos eleitores, acabaram perdendo muitos deles."
Sinal dos tempos, o Partido Socialista francês, que vem perdendo espaço para pequenas legendas esquerdistas, tenta se reinventar ideologicamente com a preparação de um novo estatuto, que será oficialmente adotado na convenção do partido, no mês que vem.
Na Alemanha, o Partido Social-Democrata (SPD), embora integre a coalizão de governo, aposta nas eleições parlamentares de 2009 para recuperar o prestígio e a força de outrora.
Antes de definir o oponente de Merkel, o SPD luta para encontrar um novo rumo. O partido, dividido entre uma ala social e outra mais pragmática, já está ameaçado pelo Die Linke, formação à esquerda, que reúne dissidentes social-democratas e os herdeiros do antigo PC da Alemanha Oriental.
Tony Judt insiste em que a direita se fortaleceu ao dar prioridade a temáticas mais afinadas com as preocupações cotidianas dos europeus, como a alta da criminalidade e a relação com os imigrantes, assuntos cuja importância foi subestimada pela esquerda (leia entrevista à pág. A23).
O pesquisador italiano Fabio Liberti, radicado em Paris, sustenta que a supremacia da direita nos grandes países europeus -com exceção da Espanha, onde os socialistas venceram as eleições de março - se deve essencialmente à capacidade dos conservadores de oferecerem soluções econômicas que parecem mais eficientes a curto prazo. "Os eleitores votam pensando no bolso", diz.


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