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"Com muros e cotas, Europa vai perder poder de atração"
Para historiador inglês, política de imigração não responde ao desafio cultural do continente e o debilita aos olhos do mundo
Esquerda ignorou questão captada por conservadores, que exploraram temor e absorveram a agenda de extremistas, diz Tony Judt
DA REPORTAGEM LOCAL
O inglês Tony Judt, autor do
elogiado livro "Pós-Guerra"
(Editora Objetiva), recém-lançado no Brasil e que detalha o
reerguimento da Europa após a
Segunda Guerra Mundial, é
considerado um dos principais
historiadores europeus da
atualidade. Em entrevista à Folha, ele disse que a direita se
fortaleceu na Europa por ter
capitalizado os temores da população relacionados à presença dos imigrantes não-europeus e afirmou que o desafio da
integração cultural dos estrangeiros é o maior para o continente.
(SA)
FOLHA - O senhor acredita que a
atual multiplicação dos governos de
direita na Europa é uma reversão da
"onda rosa" dos anos 90?
TONY JUDT - De fato, há uma
tendência ao fortalecimento da
direita em alguns países, especialmente França, Itália e Holanda. Mas não creio que seja
um movimento de longo prazo.
A Europa está infelizmente dominada pela chamada questão
da imigração. Os grandes partidos começaram a faturar em cima dos problemas ligados às
minorias, estrangeiros, islã, insegurança etc, temas antes reservada à extrema-direita.
Dito isso, não podemos esquecer que Sarkozy e Merkel
estão longe de seguir uma política ultraliberal. Eles falam
muito do modelo americano,
mas sequer cogitam abrir mão
dos fundamentos do bem-estar
social europeu. Se ousassem
mexer nisso, seriam expulsos
do poder pelas urnas nas eleições seguintes.
FOLHA - As esquerdas européias
parecem sem rumo...
TONY JUDT - A esquerda está em
crise, mais isso é um fenômeno
que remonta aos anos 80 em alguns países. Os partidos socialistas e social-democratas perderam a narrativa na qual inseriam as suas políticas e não
acreditam mais no "progresso",
no "declínio do capitalismo" ou
nas virtudes do planejamento
estatal. Ficou difícil saber o que
é ser de esquerda.
A Escandinávia talvez seja
uma exceção. Lá a tradição social-democrata, depois de ter se
distanciado de suas raízes marxistas e trabalhistas, firmou-se
como elemento estrutural da
política nacional. Partidos de
esquerda vêm buscando uma
nova retórica, como a Terceira
Via, que era moda alguns anos
atrás. Mas essa estratégia deu
em nada.
FOLHA - Qual o maior desafio dos
governos europeus hoje?
TONY JUDT - O maior desafio
não é econômico nem demográfico, mas cultural. Problemas como leis trabalhistas,
pensões etc. são de natureza
técnica e relativamente fáceis
de resolver com vontade política. O desafio cultural, este sim,
é real. A Europa foi um lugar
muito homogêneo entre os
anos 40 e os 80. Era um subcontinente próspero, branco e
pós-cristão. Mas, no último
quarto de século, tudo mudou.
A chegada de minorias significativas vindas de terras não-européias (ex-colônias principalmente) mudou a configuração das relações sociais e ninguém conseguiu responder
adequadamente a isso. Temo
que estejamos caminhando rumo a uma crise grave.
É claro que a direita soube
explorar esse problema, mas a
esquerda o ignorou por muito
tempo. Se a Europa não conseguir se projetar como uma sociedade multicultural operando sob um sistema unificado de
leis e normas sociais, em vez
dos muros e cotas que prevalecem hoje até entre governos de
esquerda, então a UE perderá
sua força e poder de atração aos
olhos do mundo.
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