São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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"Com muros e cotas, Europa vai perder poder de atração"

Para historiador inglês, política de imigração não responde ao desafio cultural do continente e o debilita aos olhos do mundo

Esquerda ignorou questão captada por conservadores, que exploraram temor e absorveram a agenda de extremistas, diz Tony Judt


DA REPORTAGEM LOCAL

O inglês Tony Judt, autor do elogiado livro "Pós-Guerra" (Editora Objetiva), recém-lançado no Brasil e que detalha o reerguimento da Europa após a Segunda Guerra Mundial, é considerado um dos principais historiadores europeus da atualidade. Em entrevista à Folha, ele disse que a direita se fortaleceu na Europa por ter capitalizado os temores da população relacionados à presença dos imigrantes não-europeus e afirmou que o desafio da integração cultural dos estrangeiros é o maior para o continente. (SA)

 

FOLHA - O senhor acredita que a atual multiplicação dos governos de direita na Europa é uma reversão da "onda rosa" dos anos 90?
TONY JUDT
- De fato, há uma tendência ao fortalecimento da direita em alguns países, especialmente França, Itália e Holanda. Mas não creio que seja um movimento de longo prazo. A Europa está infelizmente dominada pela chamada questão da imigração. Os grandes partidos começaram a faturar em cima dos problemas ligados às minorias, estrangeiros, islã, insegurança etc, temas antes reservada à extrema-direita. Dito isso, não podemos esquecer que Sarkozy e Merkel estão longe de seguir uma política ultraliberal. Eles falam muito do modelo americano, mas sequer cogitam abrir mão dos fundamentos do bem-estar social europeu. Se ousassem mexer nisso, seriam expulsos do poder pelas urnas nas eleições seguintes.

FOLHA - As esquerdas européias parecem sem rumo...
TONY JUDT
- A esquerda está em crise, mais isso é um fenômeno que remonta aos anos 80 em alguns países. Os partidos socialistas e social-democratas perderam a narrativa na qual inseriam as suas políticas e não acreditam mais no "progresso", no "declínio do capitalismo" ou nas virtudes do planejamento estatal. Ficou difícil saber o que é ser de esquerda. A Escandinávia talvez seja uma exceção. Lá a tradição social-democrata, depois de ter se distanciado de suas raízes marxistas e trabalhistas, firmou-se como elemento estrutural da política nacional. Partidos de esquerda vêm buscando uma nova retórica, como a Terceira Via, que era moda alguns anos atrás. Mas essa estratégia deu em nada.

FOLHA - Qual o maior desafio dos governos europeus hoje?
TONY JUDT
- O maior desafio não é econômico nem demográfico, mas cultural. Problemas como leis trabalhistas, pensões etc. são de natureza técnica e relativamente fáceis de resolver com vontade política. O desafio cultural, este sim, é real. A Europa foi um lugar muito homogêneo entre os anos 40 e os 80. Era um subcontinente próspero, branco e pós-cristão. Mas, no último quarto de século, tudo mudou.
A chegada de minorias significativas vindas de terras não-européias (ex-colônias principalmente) mudou a configuração das relações sociais e ninguém conseguiu responder adequadamente a isso. Temo que estejamos caminhando rumo a uma crise grave.
É claro que a direita soube explorar esse problema, mas a esquerda o ignorou por muito tempo. Se a Europa não conseguir se projetar como uma sociedade multicultural operando sob um sistema unificado de leis e normas sociais, em vez dos muros e cotas que prevalecem hoje até entre governos de esquerda, então a UE perderá sua força e poder de atração aos olhos do mundo.


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