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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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Conquista e negligência

PAUL KRUGMAN

Que crédito seja dado a quem o merece: a linha dura estava certa ao dizer que bastava um cheiro de pólvora, com mira de precisão, para que o regime de Saddam Hussein despencasse. Mas mesmo os céticos esperavam uma vitória militar. ("É claro que venceremos no campo de batalha, e provavelmente com facilidade", foi a primeira linha de minha coluna quando a guerra começou.)
Em lugar disso nos preocupávamos -e continuamos a nos preocupar- com o que aconteceria depois. Por que a preocupação? Não pretendo ter grande poder de percepção quanto ao que está acontecendo na cabeça dos iraquianos. Mas há um padrão para a maneira pela qual o governo Bush conduz seus negócios que não representa bom augúrio para o futuro um padrão de conquista seguido por maligna negligência.
É preciso admitir que o pessoal de Bush é muito bom em termos de conquistas. Concentram toda a atenção em uma questão; não recuam; não se preocupam quando quebram regras. Essa técnica lhes deu a vitória na batalha da recontagem dos votos na Flórida, na aprovação do corte de impostos em 2001, na queda de Cabul, no triunfo das eleições legislativas do ano passado e na queda de Bagdá.
Mas, depois da vitória, quando chega a hora de cuidar do que ganharam, a atenção se dispersa e as coisas vão por água abaixo.
O exemplo mais evidente é o Afeganistão, a terra que o governo Bush esqueceu. A maior parte do país voltou ao controle dos líderes bélicos fundamentalistas. (Lembrem-se de que o governo Bush se esqueceu de incluir assistência ao Afeganistão em seu mais recente orçamento.)
O mesmo padrão pode ser percebido na frente da economia. O presidente George W. Bush conquistou um grande triunfo em 2001 ao conseguir a aprovação de um imenso pacote de corte de impostos alegando que seu plano era o remédio certo para curar os males econômicos. E o que aconteceu de lá para cá?
A resposta é que as coisas gradualmente se desfizeram. Houve um trimestre de crescimento considerável, no começo de 2002, acompanhado de exclamações de triunfo quanto ao sucesso das políticas do governo. Depois disso, no entanto, as coisas só fizeram piorar. O crescimento foi lento demais para gerar empregos: no final do ano passado, depois de um ano de "recuperação", há menos gente trabalhando do que no final de 2001.
E nos últimos dois meses a situação se deteriorou rapidamente. Em fevereiro e março, a economia norte-americana perdeu 465 mil postos de trabalho, trazendo o número total de empregos perdidos desde o início oficial da recessão, em março de 2001, a mais de dois milhões.
A essa altura, o declínio no emprego é mais acentuado, e durou mais tempo, do que a crise que aconteceu no governo do primeiro Bush. E não existem sinais de recuperação: os pedidos novos de assistência-desemprego continuam bem acima do nível que sinalizaria uma melhora no mercado de trabalho.
Alguns esperam que a economia se recupere por conta própria, que os consumidores e empresas, aliviados com o bom resultado da guerra, comecem a gastar livremente. Mas esperança não equivale a um plano. Qual é o plano?
A resposta parece ser que não há plano para a economia. Em vez disso, a Casa Branca está determinada a conquistar um novo triunfo político -a eliminação dos impostos sobre os dividendos-, pouco ou nada relevante para as atuais dificuldades da economia.
Eu poderia demonstrar essa irrelevância realizando uma análise econômica, mas basta apontar uma prova política reveladora: o jornal "USA Today" informa que, diante das preocupações do Congresso quando a déficits orçamentários, o governo considerou que está disposto a adotar seu plano sobre os dividendos gradualmente.
Ou seja, está disposto a abrir mão de cortes de impostos imediatos -a única parte da proposta que poderia na verdade ajudar a economia agora- a fim de aprovar sem mudanças sua proposta de longo prazo, e assim alegar vitória completa.
A coisa mais assustadora é que a abordagem arrasa-quarteirão de governo pode continuar funcionando para o pessoal de Bush, porque os triunfos iniciais é que conquistam as manchetes. Infelizmente, o resto do mundo precisa viver nas ruínas que essas vitórias produzem.


Paul Krugman, 53, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times"


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