|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Conquista e negligência
PAUL KRUGMAN
Que crédito seja dado a quem o
merece: a linha dura estava certa
ao dizer que bastava um cheiro de
pólvora, com mira de precisão,
para que o regime de Saddam
Hussein despencasse. Mas mesmo os céticos esperavam uma vitória militar. ("É claro que venceremos no campo de batalha, e
provavelmente com facilidade",
foi a primeira linha de minha coluna quando a guerra começou.)
Em lugar disso nos preocupávamos -e continuamos a nos preocupar- com o que aconteceria
depois. Por que a preocupação?
Não pretendo ter grande poder de
percepção quanto ao que está
acontecendo na cabeça dos iraquianos. Mas há um padrão para
a maneira pela qual o governo
Bush conduz seus negócios que
não representa bom augúrio para
o futuro um padrão de conquista
seguido por maligna negligência.
É preciso admitir que o pessoal
de Bush é muito bom em termos
de conquistas. Concentram toda a
atenção em uma questão; não recuam; não se preocupam quando
quebram regras. Essa técnica lhes
deu a vitória na batalha da recontagem dos votos na Flórida, na
aprovação do corte de impostos
em 2001, na queda de Cabul, no
triunfo das eleições legislativas do
ano passado e na queda de Bagdá.
Mas, depois da vitória, quando
chega a hora de cuidar do que ganharam, a atenção se dispersa e as
coisas vão por água abaixo.
O exemplo mais evidente é o
Afeganistão, a terra que o governo
Bush esqueceu. A maior parte do
país voltou ao controle dos líderes
bélicos fundamentalistas. (Lembrem-se de que o governo Bush se
esqueceu de incluir assistência ao
Afeganistão em seu mais recente
orçamento.)
O mesmo padrão pode ser percebido na frente da economia. O
presidente George W. Bush conquistou um grande triunfo em
2001 ao conseguir a aprovação de
um imenso pacote de corte de impostos alegando que seu plano era
o remédio certo para curar os males econômicos. E o que aconteceu de lá para cá?
A resposta é que as coisas gradualmente se desfizeram. Houve
um trimestre de crescimento considerável, no começo de 2002,
acompanhado de exclamações de
triunfo quanto ao sucesso das políticas do governo. Depois disso,
no entanto, as coisas só fizeram
piorar. O crescimento foi lento
demais para gerar empregos: no
final do ano passado, depois de
um ano de "recuperação", há menos gente trabalhando do que no
final de 2001.
E nos últimos dois meses a situação se deteriorou rapidamente. Em fevereiro e março, a economia norte-americana perdeu 465
mil postos de trabalho, trazendo o
número total de empregos perdidos desde o início oficial da recessão, em março de 2001, a mais de
dois milhões.
A essa altura, o declínio no emprego é mais acentuado, e durou
mais tempo, do que a crise que
aconteceu no governo do primeiro Bush. E não existem sinais de
recuperação: os pedidos novos de
assistência-desemprego continuam bem acima do nível que sinalizaria uma melhora no mercado de trabalho.
Alguns esperam que a economia se recupere por conta própria, que os consumidores e empresas, aliviados com o bom resultado da guerra, comecem a
gastar livremente. Mas esperança
não equivale a um plano. Qual é o
plano?
A resposta parece ser que não
há plano para a economia. Em vez
disso, a Casa Branca está determinada a conquistar um novo triunfo político -a eliminação dos impostos sobre os dividendos-,
pouco ou nada relevante para as
atuais dificuldades da economia.
Eu poderia demonstrar essa irrelevância realizando uma análise
econômica, mas basta apontar
uma prova política reveladora: o
jornal "USA Today" informa que,
diante das preocupações do Congresso quando a déficits orçamentários, o governo considerou
que está disposto a adotar seu plano sobre os dividendos gradualmente.
Ou seja, está disposto a abrir
mão de cortes de impostos imediatos -a única parte da proposta que poderia na verdade ajudar
a economia agora- a fim de
aprovar sem mudanças sua proposta de longo prazo, e assim alegar vitória completa.
A coisa mais assustadora é que a
abordagem arrasa-quarteirão de
governo pode continuar funcionando para o pessoal de Bush,
porque os triunfos iniciais é que
conquistam as manchetes. Infelizmente, o resto do mundo precisa viver nas ruínas que essas vitórias produzem.
Paul Krugman, 53, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do "New York Times"
Texto Anterior: Artigos: Avestruzes antiamericanos Próximo Texto: Repressão: Cuba executa 3 em processo sumário Índice
|