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China demole entreposto histórico da Rota da Seda
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
O milenar centro histórico da
maior cidade de maioria muçulmana da China começou a
ser destruído em março.
Até o final do ano que vem, 13
mil famílias serão removidas, e
as antigas mesquitas, casinhas
e vielas serão substituídas por
prédios modernos, um shopping center e algumas réplicas
dos prédios antigos.
Segundo Xu Jianrong, vice-prefeito da cidade de Kashgar,
disse ao jornal "New York Times", a destruição do centro
histórico se deve a possibilidade de terremotos na região. As
novas construções seriam mais
resistentes. "Queremos proteger Kashgar", afirmou.
Há mais de mil anos, o oásis
de Kashgar transformou a cidade em um dos principais pontos de encontro entre mercadores chineses, persas e indianos
da lendária Rota da Seda.
Hoje ela pertence à Província
de Xinjiang, no extremo ocidental da China.
Kashgar recebe 1 milhão de
turistas por ano. "O Caçador de
Pipas" foi filmado lá.
Mas, em um projeto para se
declarar a Rota da Seda como
Patrimônio Cultural da Humanidade, o governo chinês deixou Kashgar de fora.
Com 90% dos seus 350 mil
habitantes integrando a minoria muçulmana uigur, que fala
turco e mora mais perto da
Turquia ou do Irã que de Pequim, Kashgar simboliza o mal-estar entre os uigures e a China.
Na mesma semana em que
violentos protestos mataram
184 pessoas e deixaram mil feridos -segundo o governo chinês-, em Urumqi, capital da
Província de Xinjiang, Kashgar
ficou virtualmente isolada.
Houve confrontos entre uigures e a polícia, mas as imagens não circularam -o governo cortou a internet em toda a
cidade e "recomendou" a jornalistas e turistas estrangeiros
que deixassem a cidade. O que
na China significa que policiais
podem deter repórteres e encaminhá-los ao aeroporto, algo
ainda comum em áreas vizinhas ao Tibete.
Também como medida de segurança, mesquitas tiveram
que ficar fechadas anteontem e
foi cancelada a tradicional oração de sexta, dia sagrado muçulmano -ainda que depois,
por conta de grandes grupos de
uigures no lado de fora dos
templos, o governo tenha permitido a abertura de alguns.
Pelo controle da informação
e a ausência de dados sobre a
identidade das vítimas, é difícil
descobrir como um protesto
pacífico de estudantes uigures
se transformou em ataques selvagens a civis.
Mas, apenas 17 meses após
uma onda de violência parecida
no Tibete, a crise em Xinjiang
reforça a tensão entre as minorias étnicas do país com a maioria han, a etnia de 1,25 bilhão de
chineses.
Em 1949, os chineses han
eram 6% da população de Xinjiang. Hoje, são 42%, graças a
políticas de assentamentos
promovidas pelo regime. O PIB
da Província dobrou na última
década, mas o enriquecimento
tem beneficiado muito mais os
han que os muçulmanos, algo
visível a olho nu em Urumqi.
Repressão e violência
Após os atentados de 11 de
Setembro nos EUA, o governo
passou a usar o argumento de
infiltração terrorista na Província para reprimir dissidentes. Em 2005, último dado disponível, a taxa de presos em
Xinjiang era o triplo da média
nacional.
"A resposta do governo tem
sido puramente repressiva.
Qualquer expressão de dissidência virou sinônimo de separatismo, que é crime passível de
pena de morte na China", diz
Nicholas Bequelin, pesquisador da organização Human
Rights Watch Asia.
"Os uigures estão vendo sua
área de espaço público desaparecer", disse à Folha o professor Robbie Barnett, da Universidade Columbia, que estuda as
minorias chinesas.
"A prisão/desaparecimento
de Ilham Tohti, um dos principais intelectuais uigures, e a
demolição da velha Kashgar
são demonstrações disso. Políticas que pretendem substituir
etnicidade por cidadania ou
prosperidade econômica farão
essa área se contrair mais, o
que pode gerar mais violência."
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