São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

China demole entreposto histórico da Rota da Seda

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

O milenar centro histórico da maior cidade de maioria muçulmana da China começou a ser destruído em março.
Até o final do ano que vem, 13 mil famílias serão removidas, e as antigas mesquitas, casinhas e vielas serão substituídas por prédios modernos, um shopping center e algumas réplicas dos prédios antigos.
Segundo Xu Jianrong, vice-prefeito da cidade de Kashgar, disse ao jornal "New York Times", a destruição do centro histórico se deve a possibilidade de terremotos na região. As novas construções seriam mais resistentes. "Queremos proteger Kashgar", afirmou.
Há mais de mil anos, o oásis de Kashgar transformou a cidade em um dos principais pontos de encontro entre mercadores chineses, persas e indianos da lendária Rota da Seda.
Hoje ela pertence à Província de Xinjiang, no extremo ocidental da China.
Kashgar recebe 1 milhão de turistas por ano. "O Caçador de Pipas" foi filmado lá.
Mas, em um projeto para se declarar a Rota da Seda como Patrimônio Cultural da Humanidade, o governo chinês deixou Kashgar de fora.
Com 90% dos seus 350 mil habitantes integrando a minoria muçulmana uigur, que fala turco e mora mais perto da Turquia ou do Irã que de Pequim, Kashgar simboliza o mal-estar entre os uigures e a China.
Na mesma semana em que violentos protestos mataram 184 pessoas e deixaram mil feridos -segundo o governo chinês-, em Urumqi, capital da Província de Xinjiang, Kashgar ficou virtualmente isolada.
Houve confrontos entre uigures e a polícia, mas as imagens não circularam -o governo cortou a internet em toda a cidade e "recomendou" a jornalistas e turistas estrangeiros que deixassem a cidade. O que na China significa que policiais podem deter repórteres e encaminhá-los ao aeroporto, algo ainda comum em áreas vizinhas ao Tibete.
Também como medida de segurança, mesquitas tiveram que ficar fechadas anteontem e foi cancelada a tradicional oração de sexta, dia sagrado muçulmano -ainda que depois, por conta de grandes grupos de uigures no lado de fora dos templos, o governo tenha permitido a abertura de alguns.
Pelo controle da informação e a ausência de dados sobre a identidade das vítimas, é difícil descobrir como um protesto pacífico de estudantes uigures se transformou em ataques selvagens a civis.
Mas, apenas 17 meses após uma onda de violência parecida no Tibete, a crise em Xinjiang reforça a tensão entre as minorias étnicas do país com a maioria han, a etnia de 1,25 bilhão de chineses.
Em 1949, os chineses han eram 6% da população de Xinjiang. Hoje, são 42%, graças a políticas de assentamentos promovidas pelo regime. O PIB da Província dobrou na última década, mas o enriquecimento tem beneficiado muito mais os han que os muçulmanos, algo visível a olho nu em Urumqi.

Repressão e violência
Após os atentados de 11 de Setembro nos EUA, o governo passou a usar o argumento de infiltração terrorista na Província para reprimir dissidentes. Em 2005, último dado disponível, a taxa de presos em Xinjiang era o triplo da média nacional.
"A resposta do governo tem sido puramente repressiva. Qualquer expressão de dissidência virou sinônimo de separatismo, que é crime passível de pena de morte na China", diz Nicholas Bequelin, pesquisador da organização Human Rights Watch Asia.
"Os uigures estão vendo sua área de espaço público desaparecer", disse à Folha o professor Robbie Barnett, da Universidade Columbia, que estuda as minorias chinesas.
"A prisão/desaparecimento de Ilham Tohti, um dos principais intelectuais uigures, e a demolição da velha Kashgar são demonstrações disso. Políticas que pretendem substituir etnicidade por cidadania ou prosperidade econômica farão essa área se contrair mais, o que pode gerar mais violência."


Texto Anterior: China impõe normalidade militarizada em Xinjiang
Próximo Texto: Islã inibe apoio do Ocidente, diz líder uigur
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.