São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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ARTIGO

Plebiscito revela democracia em risco

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O plebiscito na Venezuela é mais um triste episódio das dificuldades da democracia, ou da governabilidade, em nosso continente. Ou do que Raul Alfonsín, ex-mandatário argentino, chama de "democracias pobres". Desde a queda de Fernando Collor, em 1992, não terminaram seus mandatos sete presidentes latino-americanos, alguns em circunstâncias trágicas, como os da Argentina, da Bolívia e do Haiti, onde manifestações, conflitos e repressão resultaram em mortes.
A expectativa agora não é só pelo que acontecerá na Venezuela diante de ânimos esquentados e apreensões de armas e explosivos. Publicação especializada em questões da América Latina, a "Weekly Report" prevê violência, sem que se saiba de onde ela virá. No Peru, o presidente Alejandro Toledo vive o seu inferno astral. Os índices de popularidade já caíram abaixo dos 10%, com tendência a desmoronarem por completo. Sindicatos nas ruas, reaparecimentos-relâmpago da guerrilha senderista e bloqueio no Congresso, onde pela primeira vez um opositor comanda a Câmara.
No Equador, o coronel Lúcio Gutierrez, beneficiário do movimento militar-indigenista de 2001, eleito com a imagem de "novo Chávez", tem hoje a cabeça pedida pela esquerda, pelo centro-esquerda e por indigenistas que o colocaram em palácio. Para sobreviver juntou-se ao que há de mais retrógrado na política equatoriana. Está à espera de eleições regionais para saber se tem condições de construir alguma sustentação. Só o fato de Gutierrez ter ficado praticamente na lona já é mostra suficiente de que os equatorianos estão dispostos a ignorar o veredicto das urnas.
Entre a queda de Collor e a de Abdalá Bucaram, do Equador, se passaram cinco anos. Dois anos depois foi a vez de Raul Cubas, do Paraguai. Outros cinco se seguiram, Alberto Fujimori do Peru, Jamil Mahuad do Equador, Fernando de la Rúa da Argentina, Gonzalo Sánchez de Losada da Bolívia e Jean-Bertrand Aristide do Haiti. Os desencantos pegam e derrubam políticos com imagens esquerdistas ou populistas, como Aristide e Gutierrez, e neoliberais como Sánchez de Losada.
Estudo feito para a ONU por um grupo de especialistas independentes concluiu que 55% dos latino-americanos consultados apoiariam um "governo autoritário", desde que ele produzisse "efeitos econômicos positivos". E 56% dão mais valor a desenvolvimento econômico do que à democracia. Os fatores demolidores são a pobreza e as desigualdades que se tornam crônicas, as "democracias pobres" de Alfonsín. Na Argentina pesquisa recente constatou que os militares têm hoje mais credibilidade pública do que os políticos.
Artigo do "Herald Tribune" revela que o Pentágono está "sugerindo" à elite militar da América Latina que recupere papéis centrais em seus países, sobretudo na luta contra o terror. Os neoconservadores (ou falcões) de Washington estão de olhos cada vez mais voltados para uma nova preocupação, os "weak states", os estados enfraquecidos, incapazes de exercer "soberania efetiva". Desse tipo de preocupação saíram os "Estados de segurança nacional" anticomunistas. Agora é o terrorismo.


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais


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