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Sul do Líbano se vê sob risco de guerra
Para moradores da divisa com Israel, calma é aparente e novo conflito regional "é só uma questão de tempo"
Cotidiano na região é uma combinação de forças israelenses, libanesas e da ONU, mas domínio é do Hizbollah
MARCELO NINIO
ENVIADO A KFAR KILA (LÍBANO)
Da varanda de sua lanchonete na pequena cidade libanesa de Kfar Kila, o comerciante Abbas se sente na antessala da próxima guerra.
A fronteira com Israel está
logo ali, no outro lado da rua,
e Abbas corta nacos de carne
de carneiro para preparar
sanduíches que serão acompanhados de uma espetacular vista da Galileia, no território inimigo.
"É só uma questão de tempo", diz Abbas. "Tudo parece
calmo, mas duvido que fique
assim. Qualquer coisa pode
provocar uma nova guerra."
É uma opinião comum na
região, onde o domínio do
grupo xiita Hizbollah é total,
embora na superfície o Exército libanês mantenha o controle e a ONU dê uma simbólica garantia internacional
ao cessar-fogo.
O cotidiano do vilarejo no
extremo sul do Líbano é uma
surreal combinação de tanques israelenses, soldados libaneses e blindados da Unifil
(força de paz da ONU).
Tudo isso cercado por inúmeros pôsteres do líder do
Hizbollah, Hassan Nasrallah, e de fotos de "mártires",
como são chamados os militantes islâmicos mortos em
confronto com Israel.
As bandeiras do Irã, principal patrocinador do Hizbollah, disputam espaço com
as do Brasil e da Espanha,
resquícios da Copa do Mundo e da paixão pelo futebol.
A rotina de Kfar Kila se tornou ainda mais tensa do que
o habitual há pouco mais de
uma semana, quando os soldados da ONU que patrulham a fronteira não conseguiram impedir um choque
entre os dois Exércitos, que
acabou com quatro mortos.
Foi o mais grave confronto
desde a guerra de 2006 entre
Israel e o Hizbollah e mostrou a fragilidade da trégua.
Se esse incidente teve como pivô uma árvore que Israel tentava podar na fronteira, quem vive aí já não duvida de que o próximo estopim
possa surgir de algo banal.
As bandeiras do Irã no lado libanês da fronteira em
Kfar Kila decoram uma pequena praça recém-construída em homenagem ao governo de Teerã, que patrocinou
o recapeamento da estrada.
Ocorre que a praça fica colada à cerca que faz fronteira
com o arqui-inimigo de Teerã, o que levou militares israelenses a ordenar que fosse
removida.
Enquanto os polidos soldados da Unifil tentam intermediar, os libaneses argumentam que fazem o que quiserem em seu território. Mais
uma confusão à vista.
PRESENÇA DOMINANTE
O envolvimento do Exército libanês em um confronto
com Israel dá a impressão de
que o Hizbollah deixou de ser
a principal força militar na
região, mas quem vive lá vê
que é apenas aparência.
Pela resolução 1.701 da
ONU, que estabeleceu o cessar-fogo em 2006, somente
tropas libanesas e da Unifil
deveriam patrulhar o sul. De
fato, nos cerca de 150 km entre Beirute e a fronteira, a Folha passou por cinco barreiras do Exército libanês e verificou intensa movimentação
das tropas da Unifil.
As imagens de Nasrallah e
do mentor da Revolução Islâmica no Irã, aiatolá Khomeini, dominam as cidades, e,
no calçadão diante da fronteira com Israel, a bandeira
libanesa tremula ao lado das
do Hizbollah e da Palestina.
O grupo xiita continua
sendo a principal força militar do Líbano, diz o analista
Oussama Safa, do Centro Libanês de Estudos Políticos,
mas manteve distância do
incidente da semana passada porque sabia que seu envolvimento significaria uma
guerra regional.
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