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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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ORIENTE MÉDIO

Tensão entre Síria e Israel pode resultar na retomada das hostilidades sobretudo no sul, dominado pelo Hizbollah

Líbano teme voltar a ser campo de batalha

GUSTAVO CHACRA
NO SUL DO LÍBANO

O sul do Líbano, um dos principais focos de tensão do Oriente Médio, voltou a sofrer turbulências na última semana, após um razoável período de calmaria. Há o temor de que um agravamento da crise que envolve Israel e a Síria possa transformar o território libanês, mais uma vez, num campo de batalha entre os dois países.
Apesar da proximidade de Beirute (pouco mais de uma hora de carro), o sul do Líbano é praticamente um país dentro de outro.
A região foi ocupada por Israel por quase 20 anos, até a retirada, em maio de 2000. Nesse período, desenvolveu-se um poder paralelo no sul do Líbano -o do grupo extremista islâmico Hizbollah.
A presença do governo libanês em todo esse tempo praticamente inexistiu. E as forças da ONU, sob a sigla Unifil (Forças Interinas das Nações Unidas no Líbano), também não tinham condições de fazer frente ao poder do grupo.
Por trás do Hizbollah, existe o apoio do Irã e da Síria, que é governada pelo ditador Bashar al Assad e também controla politicamente o Líbano. O grupo, sob controle xiita e com membros de outras religiões, inclusive cristãos, foi usado durante a ocupação israelense para ações contra Israel. Alguns grupos palestinos baseados no Líbano faziam o mesmo.
Nos últimos anos, o Hizbollah, grupo considerado terrorista pelos EUA, havia diminuído o número de operações contra o território israelense. Estava buscando exibir uma feição mais moderada. Procurou, com uma política de relações públicas, mostrar suas ações sociais no sul do Líbano, suas atividades como partido político e suas opiniões por meio da rede de televisão Al Manar.
Porém o bombardeio israelense a um suposto campo de treinamento de terroristas palestinos na Síria, o posterior ataque a tiros que matou um soldado de Israel na fronteira com o Líbano e o míssil que visava o lado israelense e atingiu uma casa no território libanês, matando um menino brasileiro, elevaram o temor de que a violência retornasse à região.
E o mesmo acontece no outro lado da fronteira, em Israel, onde o turismo no norte do país já começou a ser prejudicado. Mais tropas israelenses foram enviadas para defender a região de possíveis ataques vindos do Líbano.
Até a semana passada, o cenário no sul do Líbano era de calma. Saindo de Beirute e pegando uma estrada em direção a Tiro, no sul, a imagem é bem distinta da de anos atrás. A maior parte da estrada é de pista dupla. Não se vêem prédios destruídos. Há uma série de restaurantes, inclusive fast foods americanos, que foram montados na beira da estrada.
Conforme se adentra no sul do Líbano, na área que até recentemente Israel ocupava, a sensação é de atravessar uma fronteira.
Diferentemente de outras regiões do país, com a exceção do vale do Becaa, o sul do Líbano ainda possui muitos postos de controle. No entanto não há a necessidade de parar em todos, como acontecia em anos anteriores.
Essa é só uma das diferenças entre o sul do Líbano e o restante do país. Há outras coisas que deixam essa região com um ar muito mais de "Hizbollândia" do que de Líbano, a começar pelas bandeiras. Não que a do cedro esteja ausente. Ela aparece. Mas a do partido Hizbollah e, principalmente, a do braço armado do grupo são muito mais presentes. É como no Brasil quando a seleção joga na Copa do Mundo ou nos EUA em um 4 de Julho (Dia da Independência).
Há outdoors com a imagem do xeque Nasrallah na entrada de quase todas as vilas. Dele, de outras lideranças do grupo e também de alguns políticos. Muitos, vestidos em trajes ocidentais, postam-se ao lado de figuras populares do Hizbollah para atrair votos.
Em cada poste, há a imagem de um jovem diferente. Todos retratados como mártires. E todos mortos em ações contra israelenses. Abaixo de suas fotos, sempre está presente o símbolo do braço armado do Hizbollah. Nas ruas, é difícil encontrar alguém que fale outra língua além do árabe. As inscrições nas ruas são todas nessa língua. Tudo muito diferente de Beirute e do norte do país.
Na capital libanesa, o difícil é achar alguém que não fale inglês ou francês. As informações são escritas também no alfabeto latino. São publicados importantes jornais em inglês e francês. Os menus dos restaurantes têm as duas línguas. A principal universidade do país é a Universidade Americana de Beirute, com aulas em inglês. Também existem universidades em francês. Nas praias, as jovens libanesas desfilam de biquínis. Há até raves no país.
Ao voltar do sul para a capital e comentar sobre a viagem, a reação imediata é: "O que você foi fazer lá?", com ar de reprovação. Muitos jovens de Beirute não conhecem o sul, seja pela ocupação israelense por quase toda a infância deles, seja pelo desinteresse.
Entre os cristãos e os muçulmanos moderados, existe certo medo de que o Hizbollah deixe de focar o sul, onde está Israel, e passe a querer expandir seu "território" para o resto do Líbano, reacendendo as tensões que geraram os 15 anos de guerra civil (1975-90).
"Tenho medo deles [do Hizbollah]", disse o garçom Pierre, um jovem armênio cristão ortodoxo que estuda letras em Beirute. É um resumo do que parte da população libanesa pensa sobre o grupo. Só que há outra, maior, que o considera como heróis da resistência contra os israelenses.


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