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ORIENTE MÉDIO
Tensão entre Síria e Israel pode resultar na retomada das hostilidades sobretudo no sul, dominado pelo Hizbollah
Líbano teme voltar a ser campo de batalha
GUSTAVO CHACRA
NO SUL DO LÍBANO
O sul do Líbano, um dos principais focos de tensão do Oriente
Médio, voltou a sofrer turbulências na última semana, após um
razoável período de calmaria. Há
o temor de que um agravamento
da crise que envolve Israel e a Síria
possa transformar o território libanês, mais uma vez, num campo
de batalha entre os dois países.
Apesar da proximidade de Beirute (pouco mais de uma hora de
carro), o sul do Líbano é praticamente um país dentro de outro.
A região foi ocupada por Israel
por quase 20 anos, até a retirada,
em maio de 2000. Nesse período,
desenvolveu-se um poder paralelo no sul do Líbano -o do grupo
extremista islâmico Hizbollah.
A presença do governo libanês
em todo esse tempo praticamente
inexistiu. E as forças da ONU, sob
a sigla Unifil (Forças Interinas das
Nações Unidas no Líbano), também não tinham condições de fazer frente ao poder do grupo.
Por trás do Hizbollah, existe o
apoio do Irã e da Síria, que é governada pelo ditador Bashar al
Assad e também controla politicamente o Líbano. O grupo, sob
controle xiita e com membros de
outras religiões, inclusive cristãos,
foi usado durante a ocupação israelense para ações contra Israel.
Alguns grupos palestinos baseados no Líbano faziam o mesmo.
Nos últimos anos, o Hizbollah,
grupo considerado terrorista pelos EUA, havia diminuído o número de operações contra o território israelense. Estava buscando
exibir uma feição mais moderada.
Procurou, com uma política de
relações públicas, mostrar suas
ações sociais no sul do Líbano,
suas atividades como partido político e suas opiniões por meio da
rede de televisão Al Manar.
Porém o bombardeio israelense
a um suposto campo de treinamento de terroristas palestinos na
Síria, o posterior ataque a tiros
que matou um soldado de Israel
na fronteira com o Líbano e o
míssil que visava o lado israelense
e atingiu uma casa no território libanês, matando um menino brasileiro, elevaram o temor de que a
violência retornasse à região.
E o mesmo acontece no outro
lado da fronteira, em Israel, onde
o turismo no norte do país já começou a ser prejudicado. Mais
tropas israelenses foram enviadas
para defender a região de possíveis ataques vindos do Líbano.
Até a semana passada, o cenário
no sul do Líbano era de calma.
Saindo de Beirute e pegando uma
estrada em direção a Tiro, no sul,
a imagem é bem distinta da de
anos atrás. A maior parte da estrada é de pista dupla. Não se vêem
prédios destruídos. Há uma série
de restaurantes, inclusive fast
foods americanos, que foram
montados na beira da estrada.
Conforme se adentra no sul do
Líbano, na área que até recentemente Israel ocupava, a sensação
é de atravessar uma fronteira.
Diferentemente de outras regiões do país, com a exceção do
vale do Becaa, o sul do Líbano ainda possui muitos postos de controle. No entanto não há a necessidade de parar em todos, como
acontecia em anos anteriores.
Essa é só uma das diferenças entre o sul do Líbano e o restante do
país. Há outras coisas que deixam
essa região com um ar muito mais
de "Hizbollândia" do que de Líbano, a começar pelas bandeiras.
Não que a do cedro esteja ausente.
Ela aparece. Mas a do partido Hizbollah e, principalmente, a do
braço armado do grupo são muito mais presentes. É como no Brasil quando a seleção joga na Copa
do Mundo ou nos EUA em um 4
de Julho (Dia da Independência).
Há outdoors com a imagem do
xeque Nasrallah na entrada de
quase todas as vilas. Dele, de outras lideranças do grupo e também de alguns políticos. Muitos,
vestidos em trajes ocidentais, postam-se ao lado de figuras populares do Hizbollah para atrair votos.
Em cada poste, há a imagem de
um jovem diferente. Todos retratados como mártires. E todos
mortos em ações contra israelenses. Abaixo de suas fotos, sempre
está presente o símbolo do braço
armado do Hizbollah. Nas ruas, é
difícil encontrar alguém que fale
outra língua além do árabe. As
inscrições nas ruas são todas nessa língua. Tudo muito diferente
de Beirute e do norte do país.
Na capital libanesa, o difícil é
achar alguém que não fale inglês
ou francês. As informações são
escritas também no alfabeto latino. São publicados importantes
jornais em inglês e francês. Os
menus dos restaurantes têm as
duas línguas. A principal universidade do país é a Universidade
Americana de Beirute, com aulas
em inglês. Também existem universidades em francês. Nas praias,
as jovens libanesas desfilam de biquínis. Há até raves no país.
Ao voltar do sul para a capital e
comentar sobre a viagem, a reação imediata é: "O que você foi fazer lá?", com ar de reprovação.
Muitos jovens de Beirute não conhecem o sul, seja pela ocupação
israelense por quase toda a infância deles, seja pelo desinteresse.
Entre os cristãos e os muçulmanos moderados, existe certo medo de que o Hizbollah deixe de focar o sul, onde está Israel, e passe a
querer expandir seu "território"
para o resto do Líbano, reacendendo as tensões que geraram os
15 anos de guerra civil (1975-90).
"Tenho medo deles [do Hizbollah]", disse o garçom Pierre, um
jovem armênio cristão ortodoxo
que estuda letras em Beirute. É
um resumo do que parte da população libanesa pensa sobre o grupo. Só que há outra, maior, que o
considera como heróis da resistência contra os israelenses.
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