UOL


São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ORIENTE MÉDIO

Poderio israelense é superior ao do vizinho, mas eventual escalada do conflito seria um desastre político

Israel-Síria repete assimetria EUA-Iraque

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em termos puramente militares, Israel teria condições de fazer com a Síria algo parecido com que os americanos fizeram no Iraque. Já em termos políticos, uma escalada do conflito poderia ser um desastre com graves consequências na região, como analistas de vários matizes notaram.
Um ataque aéreo já foi realizado contra supostos terroristas no país vizinho. O governo israelense até divulgou um mapa com "alvos terroristas" potenciais em torno da capital da Síria dias atrás.
A desastrada ocupação anglo-americana do Iraque hoje ofusca a facilidade da conquista do país, há seis meses. Essa mesma assimetria se reflete em parte na relação de forças Israel-Síria.
Israel não pretenderia ocupar território sírio -no máximo, ataques aéreos poderiam ser seguidos de incursões terrestres. E o resultado tende a ser arrasador.
O mero balanço numérico das forças esconde a diferença. No papel, os sírios têm mais aviões de combate, mais tanques e mais peças de artilharia. Há uma diferença fundamental: tecnologia, principalmente a chave da guerra moderna, a eletrônica. E também falta aos sírios algo que tinham no passado e Israel ainda tem: uma superpotência amiga.
Na Guerra do Iom Kippur, que completa 30 anos neste mês, sírios e egípcios tinham forte apoio material da URSS. Mísseis antiaéreos eram disparados como rojões de festa junina. Mais que a qualidade do equipamento soviético, contava a quantidade. Se voavam mais baixo para escapar dos mísseis de maior alcance, os caça-bombardeiros ficavam à mercê de mísseis portáteis disparados do ombro e de centenas de canhões.
Israel aprendeu a lição. Sua Força Aérea massacrou sua rival síria sobre o Líbano em 1982. Peças-chave no domínio do ar pelos israelenses foram os aviões-radar de fabricação americana.
A disparidade tecnológica continua, e os sírios já não têm na Rússia um aliado do mesmo calibre que a antiga URSS -quando muito, os russos são apenas um fornecedor de equipamento.
Os EUA continuam com a política de apoiar a superioridade tecnológica militar de Israel. Os americanos se recusaram apenas a vender mísseis de cruzeiro Tomahawk ao país -que poderia armá-los com as bombas nucleares do seu sempre negado arsenal atômico.
Em compensação, Israel é cliente da arma mais bem-sucedida das recentes guerras, o kit "JDAM" (sigla em inglês para munição conjunta de ataque direto), que transforma bombas "burras" em "inteligentes" ao guiá-las ao alvo por satélite. Com essas bombas os aviões podem voar em altitudes médias, acima do risco de um tiro de canhão acertar por sorte e imunes aos mísseis graças à contramedidas eletrônicas.
Atacar alvos na Síria em vez de em campos de refugiados na faixa de Gaza traria menos oposição interna, incluindo aquela pequena, mas ruidosa, dentro das próprias Forças Armadas -se o governo de Israel conseguir provar que os alvos são legítimos.
Comentando o ataque americano ao Iraque dentro da suposta lógica da "guerra ao terrorismo", o jornalista britânico Max Hastings escreveu que era algo parecido com o sujeito que perde as lentes de contato num beco escuro, mas vai procurar na avenida porque a luz ali é melhor. Os alvos estão mais bem iluminados na Síria. Essa é a tentação atual.


Texto Anterior: Líbano teme voltar a ser campo de batalha
Próximo Texto: Líbano se reconstrói, mas suas divisões religiosas persistem
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.