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RELIGIÃO
Editora evangélica americana cria "Revolve", publicação cujo objetivo é atrair garotas para os ensinamentos cristãos
Revista une Novo Testamento e mundo pop
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o marketing é o motor do novo mundo, o cristianismo jovem
nos Estados Unidos deve estar
mais acelerado do que nunca. A
editora evangélica norte-americana Thomas Nelson deu um passo
definitivo no matrimônio entre a
religião e a cultura pop ao lançar,
há pouco mais de dois meses,
"Revolve" (rotação), uma versão
do Novo Testamento editada nos
moldes de uma revista de moda
para atrair leitoras de 12 a 21 anos.
Depois de ter inspirado filmes,
canções, revistas em quadrinhos e
até musicais da Broadway, a Bíblia agora surge em um formato
inovador, mas aparentemente paradoxal em relação ao legado antimaterialista de Jesus.
Foram anos de tentativas de
conquistar o público-alvo da
atualidade -aquele que mais
consome e que está na mira das
estratégias de vendas de grandes
empresas (e de outras editoras religiosas também), o jovem-, até
que a Thomas Nelson colocasse
seu ousado formato para o Novo
Testamento no topo da lista de
"os mais vendidos" do site "Amazon.com".
Foram 40 mil exemplares esgotados em oito semanas. O sucesso
foi tamanho que a segunda edição
de "Revolve", lançada na semana
passada, atingiu a tiragem de 120
mil cópias.
Para Robert Hodgson, reitor do
Nida Institute for Biblical Scholarship, um dos braços da American Bible Society, em Nova York,
"Revolve" acertou na mosca.
"Hoje em dia, o marketing é crucial, especialmente na esfera das
publicações religiosas. A filosofia
dominante no mundo pós-moderno prega a busca por nichos de
mercado. E essa é a regra quando
se busca um lugar na já acirrada
competição pela atenção da juventude", disse Hodgson à Folha.
Pedro Lima Vasconcellos, professor de teologia da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, avalia a publicação como
"parte de um processo histórico
de absorção da cultura capitalista
por parte da religião, apesar de os
ensinamentos de Jesus irem contra a voracidade consumista".
Adaptação
"Revolve" é uma revista de 388
páginas -cuja capa foi confiada à
mesma empresa que cuida do visual dos CDs da banda U2- que
trata de questões típicas de uma
adolescente para arrematar jovens leitoras e futuras fiéis.
Trata-se de uma nova roupagem para o Novo Testamento. De
acordo com uma pesquisa encomendada pela Thomas Nelson, as
adolescentes americanas que se
consideram cristãs simplesmente
não lêem a Bíblia porque a consideram "muito grande", "intimidadora" e "sem sentido". Por outro lado, se há algo que elas lêem,
são as revistas de moda.
Adaptando-se ao cristianismo a
velha máxima "se Maomé não vai
à montanha, a montanha vai a
Maomé", a editora resolveu despertar adolescentes para o cristianismo utilizando a mídia que
mais as interessa, colocando lado
a lado as Escrituras e sessões de
testes, de dicas de beleza e de perguntas e respostas inspiradas nos
ensinamentos do texto sagrado.
""Revolve" está seguindo uma
antiga tradição da igreja: combinar com a mídia e a tecnologia o
texto bíblico e sua mensagem.
Utiliza um meio de comunicação
da cultura atual para passar os ensinamentos de Jesus", defende
Hodgson.
A técnica utilizada aqui para seduzir as jovens norte-americanas,
no entanto, vai além da forma.
"Revolve" apresenta a Bíblia como um "manual de sobrevivência" e descreve Jesus como um radical, que não tinha medo de nada
e que desafiou a sociedade de sua
época.
A revista lança mão, com frequência, de palavras como "radical", "revolucionário", "desafio",
"conflito" e "virtual", escolhidas
para aproximar o conteúdo religioso da publicação do vocabulário jovem.
De olho na audiência, além da
íntegra do texto do Novo Testamento, a cada página "Revolve"
traz mimos próprios das revistas
de adolescentes, em balões coloridos, ao lado de fotos produzidas e
de ilustrações pop.
Há dicas de "como atingir sua
formidável beleza interior", testes
para a leitora confirmar se "é uma
boa filha" ou se "está namorando
um garoto devoto", e calendários
mensais nos quais as datas de aniversário de personalidades jovens
-como o cantor Justin Timberlake (ex-namorado de Britney
Spears)- vêm acompanhadas da
sugestão de que se faça uma oração em homenagem à celebridade
que apaga velinhas naquele dia.
"É uma publicação que acompanha o cotidiano das jovens norte-americanas, que vivem nos
shoppings, nos fast foods e nas lojas de jogos eletrônicos. Essas
adolescentes não vão a livrarias
nem a igrejas, e "Revolve" reconhece isso. É um instrumento que
adiciona valores às experiências e
às crenças das jovens", avalia o
reitor.
Em uma reportagem sobre a revista, publicada no "Detroit Free
Press", uma adolescente revelou
que, com "Revolve", pode "ler a
Bíblia até mesmo no recreio da escola sem parecer ridícula aos
olhos do resto da turma", o que
certamente aconteceria se andasse por aí segurando uma versão
antiquada, de capa de couro preta. Outros adolescentes, no entanto, podem encarar "Revolve" com
certa desconfiança.
Entre várias observações favoráveis à publicação, muitos leitores criticam o conteúdo de "Revolve" em comentários deixados
no site "Amazon.com".
"Pobres fundamentalistas", escreveu um deles, "sempre 20 anos
atrasados em relação à cultura de
seu tempo e, mesmo assim, sempre trabalhando duro para parecerem atuais".
Outra leitora diz achar "triste
que pessoas gastem dinheiro com
ótimas técnicas de lavagem cerebral como esta, cujo editorial
equivale ao início de um culto religioso". "Existe algo mais vil do
que isso?", questiona.
Moral cristã
"Revolve" é hábil ao transpor
passagens da Bíblia para exemplos da vida prática, estimulando
atitudes de compaixão, de honestidade, de gentileza, de respeito e
de sobriedade, além de aconselhar hábitos modestos e saudáveis. Muitas dicas, no entanto,
maquiam conservadorismo com
leveza, inocência e recursos gráficos.
Apesar do invólucro modernóide, a revista, como era de esperar,
está repleta de moralismos, especialmente quando trata de sexo,
namoro e homossexualidade
-apontado como um comportamento "claramente pecador".
Obediência aos pais e proibição
do sexo antes do casamento são
encaradas como atitudes positivas e apresentadas de forma dogmática. Outras sugestões enfáticas dizem respeito ao modo como
as garotas devem se vestir -que,
segundo a revista, deve ser modesto- e a seus relacionamentos
com os meninos. "Deus fez os garotos para serem líderes. Isso significa que eles devem liderar os
namoros. São eles que devem dizer que gostam de vocês primeiro,
e não o contrário", aponta uma
passagem.
Para Hodgson, apresentar valores mais conservadores em relação à mulher para as adolescentes
do mundo pós-feminismo é positivo.
"As garotas menos conservadoras vão tratar essas mensagens como representativas de um sistema
de valores que seus pais e avós
honraram, e isso pode ser usado
de maneira criativa e construtiva
na abertura de um espaço de diálogo entre gerações. Já as garotas
que cresceram com esses valores e
que os adotam no seu cotidiano
vão se sentir mais confortáveis
com seu estilo de vida."
Se "Revolve" realmente levar as
adolescentes americanas a seguir
suas dicas e sugestões à risca, uma
das mais célebres frases da escritora e atriz Mae West pode tornar-se tão atual como nunca: "Garotas boas vão para o céu; as outras vão a todos os lugares".
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