UOL


São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RELIGIÃO

Editora evangélica americana cria "Revolve", publicação cujo objetivo é atrair garotas para os ensinamentos cristãos

Revista une Novo Testamento e mundo pop

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o marketing é o motor do novo mundo, o cristianismo jovem nos Estados Unidos deve estar mais acelerado do que nunca. A editora evangélica norte-americana Thomas Nelson deu um passo definitivo no matrimônio entre a religião e a cultura pop ao lançar, há pouco mais de dois meses, "Revolve" (rotação), uma versão do Novo Testamento editada nos moldes de uma revista de moda para atrair leitoras de 12 a 21 anos.
Depois de ter inspirado filmes, canções, revistas em quadrinhos e até musicais da Broadway, a Bíblia agora surge em um formato inovador, mas aparentemente paradoxal em relação ao legado antimaterialista de Jesus.
Foram anos de tentativas de conquistar o público-alvo da atualidade -aquele que mais consome e que está na mira das estratégias de vendas de grandes empresas (e de outras editoras religiosas também), o jovem-, até que a Thomas Nelson colocasse seu ousado formato para o Novo Testamento no topo da lista de "os mais vendidos" do site "Amazon.com".
Foram 40 mil exemplares esgotados em oito semanas. O sucesso foi tamanho que a segunda edição de "Revolve", lançada na semana passada, atingiu a tiragem de 120 mil cópias.
Para Robert Hodgson, reitor do Nida Institute for Biblical Scholarship, um dos braços da American Bible Society, em Nova York, "Revolve" acertou na mosca. "Hoje em dia, o marketing é crucial, especialmente na esfera das publicações religiosas. A filosofia dominante no mundo pós-moderno prega a busca por nichos de mercado. E essa é a regra quando se busca um lugar na já acirrada competição pela atenção da juventude", disse Hodgson à Folha.
Pedro Lima Vasconcellos, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, avalia a publicação como "parte de um processo histórico de absorção da cultura capitalista por parte da religião, apesar de os ensinamentos de Jesus irem contra a voracidade consumista".

Adaptação
"Revolve" é uma revista de 388 páginas -cuja capa foi confiada à mesma empresa que cuida do visual dos CDs da banda U2- que trata de questões típicas de uma adolescente para arrematar jovens leitoras e futuras fiéis.
Trata-se de uma nova roupagem para o Novo Testamento. De acordo com uma pesquisa encomendada pela Thomas Nelson, as adolescentes americanas que se consideram cristãs simplesmente não lêem a Bíblia porque a consideram "muito grande", "intimidadora" e "sem sentido". Por outro lado, se há algo que elas lêem, são as revistas de moda.
Adaptando-se ao cristianismo a velha máxima "se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé", a editora resolveu despertar adolescentes para o cristianismo utilizando a mídia que mais as interessa, colocando lado a lado as Escrituras e sessões de testes, de dicas de beleza e de perguntas e respostas inspiradas nos ensinamentos do texto sagrado.
""Revolve" está seguindo uma antiga tradição da igreja: combinar com a mídia e a tecnologia o texto bíblico e sua mensagem. Utiliza um meio de comunicação da cultura atual para passar os ensinamentos de Jesus", defende Hodgson.
A técnica utilizada aqui para seduzir as jovens norte-americanas, no entanto, vai além da forma. "Revolve" apresenta a Bíblia como um "manual de sobrevivência" e descreve Jesus como um radical, que não tinha medo de nada e que desafiou a sociedade de sua época.
A revista lança mão, com frequência, de palavras como "radical", "revolucionário", "desafio", "conflito" e "virtual", escolhidas para aproximar o conteúdo religioso da publicação do vocabulário jovem.
De olho na audiência, além da íntegra do texto do Novo Testamento, a cada página "Revolve" traz mimos próprios das revistas de adolescentes, em balões coloridos, ao lado de fotos produzidas e de ilustrações pop.
Há dicas de "como atingir sua formidável beleza interior", testes para a leitora confirmar se "é uma boa filha" ou se "está namorando um garoto devoto", e calendários mensais nos quais as datas de aniversário de personalidades jovens -como o cantor Justin Timberlake (ex-namorado de Britney Spears)- vêm acompanhadas da sugestão de que se faça uma oração em homenagem à celebridade que apaga velinhas naquele dia.
"É uma publicação que acompanha o cotidiano das jovens norte-americanas, que vivem nos shoppings, nos fast foods e nas lojas de jogos eletrônicos. Essas adolescentes não vão a livrarias nem a igrejas, e "Revolve" reconhece isso. É um instrumento que adiciona valores às experiências e às crenças das jovens", avalia o reitor.
Em uma reportagem sobre a revista, publicada no "Detroit Free Press", uma adolescente revelou que, com "Revolve", pode "ler a Bíblia até mesmo no recreio da escola sem parecer ridícula aos olhos do resto da turma", o que certamente aconteceria se andasse por aí segurando uma versão antiquada, de capa de couro preta. Outros adolescentes, no entanto, podem encarar "Revolve" com certa desconfiança.
Entre várias observações favoráveis à publicação, muitos leitores criticam o conteúdo de "Revolve" em comentários deixados no site "Amazon.com".
"Pobres fundamentalistas", escreveu um deles, "sempre 20 anos atrasados em relação à cultura de seu tempo e, mesmo assim, sempre trabalhando duro para parecerem atuais".
Outra leitora diz achar "triste que pessoas gastem dinheiro com ótimas técnicas de lavagem cerebral como esta, cujo editorial equivale ao início de um culto religioso". "Existe algo mais vil do que isso?", questiona.

Moral cristã
"Revolve" é hábil ao transpor passagens da Bíblia para exemplos da vida prática, estimulando atitudes de compaixão, de honestidade, de gentileza, de respeito e de sobriedade, além de aconselhar hábitos modestos e saudáveis. Muitas dicas, no entanto, maquiam conservadorismo com leveza, inocência e recursos gráficos.
Apesar do invólucro modernóide, a revista, como era de esperar, está repleta de moralismos, especialmente quando trata de sexo, namoro e homossexualidade -apontado como um comportamento "claramente pecador".
Obediência aos pais e proibição do sexo antes do casamento são encaradas como atitudes positivas e apresentadas de forma dogmática. Outras sugestões enfáticas dizem respeito ao modo como as garotas devem se vestir -que, segundo a revista, deve ser modesto- e a seus relacionamentos com os meninos. "Deus fez os garotos para serem líderes. Isso significa que eles devem liderar os namoros. São eles que devem dizer que gostam de vocês primeiro, e não o contrário", aponta uma passagem.
Para Hodgson, apresentar valores mais conservadores em relação à mulher para as adolescentes do mundo pós-feminismo é positivo.
"As garotas menos conservadoras vão tratar essas mensagens como representativas de um sistema de valores que seus pais e avós honraram, e isso pode ser usado de maneira criativa e construtiva na abertura de um espaço de diálogo entre gerações. Já as garotas que cresceram com esses valores e que os adotam no seu cotidiano vão se sentir mais confortáveis com seu estilo de vida."
Se "Revolve" realmente levar as adolescentes americanas a seguir suas dicas e sugestões à risca, uma das mais célebres frases da escritora e atriz Mae West pode tornar-se tão atual como nunca: "Garotas boas vão para o céu; as outras vão a todos os lugares".


Texto Anterior: Memoriais marcam resistência e horror da guerra no Líbano
Próximo Texto: Publicação segue a trilha do conservadorismo de Bush
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.