São Paulo, terça-feira, 12 de novembro de 2002

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Brasileira relata noite de terror no kibutz

DA REDAÇÃO

A brasileira Denise Filliez, 55, viveu ontem uma madrugada de terror no kibutz Metzer. Ela dormia com o marido numa casa vizinha àquela em que um terrorista palestino matou uma mulher e seus dois filhos. Acordou assustada com o barulho da metralhadora. Fechou todas as janelas. E passou a noite no chão, longe das janelas para fugir dos disparos.
Após 28 anos no kibutz, a paulista Denise, coordenadora da área contábil, se diz desiludida com a violência. "Não posso nem dizer se as pessoas que fazem isso são animais", contou ela à Folha, por telefone. "Que mal podiam fazer duas criancinhas, dormindo, com chupeta na boca?" (MS)

Folha - A sra. testemunhou o atentado?
Denise Filliez -
Era mais ou menos 23h, e estávamos dormindo. Escutamos tiros de metralhadora aqui bem pertinho da minha casa. Eu e meu marido acordamos assustados. Naquele momento, meu filho telefonou e disse: "Mãe, estou indo para casa, já estou quase chegando". Falei que estava escutando um tiroteio e que não era para ele vir. Desliguei, porque não podia fazer barulho. Ele me ligou outra vez e disse que estava vindo.
Fechamos todas as janelas -as luzes já estavam apagadas- e fomos para o quarto. Temos orientação sobre como agir nessas situações. Ficamos sentados no chão, num lugar longe das janelas. Logo passou um jipe, mandando que todos ficassem dentro de casa. Ficamos escutando o rádio bem baixinho, para ver se davam notícias do que estava ocorrendo.
Pouco depois, meu filho ligou. Contou que estava ajudando a procurar o terrorista. Ao chegar ao portão, já havia ambulâncias e tropas e, como ele conhece todos os caminhos, ajudou a liderar as buscas. Ficaram procurando até as 5h, casa por casa. Ninguém sabia onde o atirador estava. Só no final soubemos que ele fugiu.
O terrorista entrou na casa de uma mulher aqui perto e matou ela e suas duas crianças pequenas. Depois, atirou num casal que passava do lado de fora. E ainda matou mais um homem, que se dirigiu ao local alertando a todos que um atentado estava acontecendo.

Folha - A sra. esperava que isso pudesse acontecer no seu kibutz?
Denise -
Vivemos numa região perigosa, perto da fronteira com os territórios, e a tensão é muito grande. Além disso, tenho dois filhos gêmeos de 20 anos na frente de batalha [um é tanquista, o outro, instrutor de oficiais].
E agora acontece isso dentro da minha própria casa. Não posso nem ao certo dizer se as pessoas que fazem isso são animais. Não dá para imaginar até que ponto alguém pode chegar para fazer isso. Que mal podiam fazer duas criancinhas, dormindo, com chupeta na boca?

Folha - O seu kibutz é um exemplo da convivência pacífica árabe-israelense. Isso pode mudar agora?
Denise -
Nosso kibutz tem ótimas relações com os árabes. Temos amizade com eles, são seres humanos como nós. Hoje eu me pergunto: será que podemos mesmo viver juntos? Estou desiludida, repensando o que achava certo.

Folha - A sra. tem amigos nos vilarejos árabes perto do kibutz?
Denise -
Sim. Conheço muita gente no vilarejo árabe-israelense aqui ao lado. Nós nos visitamos, vamos aos casamentos uns dos outros. Isso é natural, muitos deles trabalham ou trabalharam aqui conosco.
Todos eles vieram aqui hoje, para nos consolar e acompanhar o enterro. Eles dizem que isso que aconteceu é uma barbaridade.

Folha - A sra. pensou em voltar ao Brasil ou ir viver em outro país para fugir da violência?
Denise -
Não volto ao Brasil de jeito nenhum. Israel é a minha casa. Nesses 28 anos desde que vim para cá, só estive uma vez no Brasil, e passeando. Não que eu não goste do Brasil, mas se eu tiver que sair daqui em razão disso, então os terroristas terão conquistado o seu objetivo.
Talvez num momento de muito medo eu tenha pensado em ir embora. Mas depois, com calma, vejo que tenho que ficar aqui.


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