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CLÓVIS ROSSI
De vira-latas a megalomaníaco
Brasil, impotente no próprio quintal, quer ser potência na cúpula de Copenhague e no conflito do Oriente Médio
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É INEGÁVEL que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva foi
relevante para que o Brasil espantasse o complexo de vira-lata
que Nelson Rodrigues via incrustado n'alma do brasileiro. Pena que o
seu governo tenha trocado esse
complexo pela megalomania, sem
nem sequer passar por algum estágio intermediário mais consentâneo
com a realidade do poder brasileiro.
O mais recente exemplo de megalomania está em frase do presidente
durante comício em Recife na quarta-feira: "Copenhague só vai ser o
que vai ser porque o nosso querido
país teve a coragem de, há um mês,
apresentar as metas que apresentamos", afirmou.
Ninguém sabe ainda o que Copenhague vai ser, mas o próprio Lula já
havia descartado, apenas uma semana antes, que de lá saísse o acordo de
seus sonhos.
Portanto, o que fez "o nosso querido país" não diz grande coisa.
De mais a mais, qualquer pessoa
que não tenha perdido completamente o senso de proporção sabe
que Copenhague, saia o que sair de
lá, será o produto de um equilíbrio
entre os lobbies empresariais, sindicais e de ONGs, além das necessidades político-eleitorais dos líderes
dos principais atores participantes,
Brasil inclusive, mas não apenas
nem principalmente o Brasil, ao
contrário do discurso de Lula.
Qualquer pessoa que tenha mantido o sentido comum sabe igualmente que um acordo "dos sonhos"
depende principalmente de Estados
Unidos e China, seja qual for a posição do "nosso querido país".
Próprio quintal
De resto, nem seria preciso o caso
Copenhague para que ficassem notórios os limites da pátria.
O Brasil não conseguiu resolver
nem um só dos problemas que surgiram em seu próprio quintal nos
últimos tempos, mas ainda assim
se anima a querer resolver o problema do Irã e o do Oriente Médio.
O Brasil gritou contra o acordo
Colômbia/Estados Unidos que
permite o uso de bases colombianas por militares norte-americanos. Exigiu "garantias por escrito"
de que as bases não seriam usadas
para ações fora da Colômbia. Nem
os EUA nem a Colômbia deram
nem bola nem garantia por escrito.
O Brasil condenou o golpe de Estado em Honduras e exigiu a volta
de Manuel Zelaya ao poder. Não
conseguiu nem mesmo um salvo-conduto para que Zelaya deixasse a
embaixada brasileira rumo ao México, em vez de rumo ao poder.
Mas o episódio que mais recomendaria que a diplomacia brasileira evitasse cenas explícitas de
megalomania é anterior.
Trata-se
da crise das "papeleras", as fábricas
de celulose construídas no Uruguai, junto à fronteira com a Argentina, episódio que levou ao rompimento de relações entre o casal
Néstor e Cristina Kirchner e o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez.
São vizinhos do Brasil, sócios do
Mercosul, projeto prioritário da diplomacia brasileira -e nem assim
o Brasil conseguiu mediar o conflito que se arrasta há anos. Qualquer
pessoa de bom senso diria que é infinitamente mais fácil resolver o
problema de uma "papelera" do
que o conflito bíblico entre árabes e
judeus. Mas megalômanos não costumam ter bom senso.
crossi@uol.com.br
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