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8 milhões choram os mortos e protestam
Em todas as grandes cidades do país, espanhóis saem às ruas, atacam o terror e exigem que os atentados sejam esclarecidos
DO COLUNISTA DA FOLHA
Chovia muito, sem parar um
minuto, a temperatura baixava
para os 8C, pouco para a proximidade da primavera, mas um
grito forte saía das gargantas:
"En ese tren, íbamos todos".
Não era mera retórica de concentração política. Tomando praticamente todo o Paseo de la Castellana, uma das mais belas avenidas do mundo, 2,3 milhões de
madrilenos, segundo os cálculos
oficiais, quiseram simbolicamente estar nos trens em que morreram, anteontem, 199 pessoas.
Nas outras praças e avenidas de
todo o país, acotovelaram-se outros 5,7 milhões de manifestantes.
Total: 8 milhões, em um país de
42,7 milhões de habitantes.
Em Madri, era tanta gente que
só 40 minutos após a hora marcada,19h (15h em Brasília), a cabeça
da marcha começou a se mover
lentamente. Uma faixa com os dizeres "Con las victimas/Con la
Constitución/Por la derrota del
terrorismo" abria o cortejo.
Seguravam-na o príncipe Felipe, ao lado de suas irmãs Cristina
e Elena, na primeira vez em que
membros da família real participam de um ato do gênero.
Ao lado do príncipe, o premiê
José María Aznar. Imprensado
entre Aznar e seu ministro do Interior, Ángel Acebes, ia José Luis
Rodríguez Zapatero, líder da oposição socialista, que troca acusações com o governo sobre a eventual ocultação de informações a
respeito dos atentados. Do lado oposto, Mariano Rajoy, o candidato de Aznar
às eleições de amanhã.
A linha de frente incluía dirigentes estrangeiros, como o premiê francês, Jean-Pierre Raffarin,
seu colega português, José Manuel Durão Barroso, e o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, mas tinha vários líderes
institucionais espanhóis.
Estavam todos? Não, dizia um
tosco cartaz no meio da massa:
"No estamos todos, faltan 200".
Os que estavam, em todo o caso,
gritavam: "Asesinos, asesinos".
Cantavam o mais clássico grito de
protesto ("El pueblo, unido, jamás será vencido"), pintavam as
mãos de branco, símbolo da paz.
Os jovens foram os primeiros a
gritar: "Paráguas fuera", para que
se fechassem os guarda-chuvas
que tapavam a impressionante visão da multidão. Muitos de fato
fecharam os guarda-chuvas
-"fosse como fosse, chovesse ou
nevasse, eu tinha de estar aqui,
depois de passar o dia inteiro chorando ao ver as imagens na TV",
como dizia Josefina Aguirre, 62.
"Morimos todos"
Não foram apenas os espanhóis
que sentiram que tinham de estar
ali. Havia chineses com um cartaz
"Terrorismo não" escrito em chinês, havia un "México con España", havia un "Cuba con el pueblo
español". E havia também Christie Amfold, jovem britânica. "Vivo aqui há seis anos. Este é meu
lar e ele foi atingido."
Era tanta gente que ficava difícil
dizer onde começava e onde terminava a manifestação. O local
inicialmente designado para a
concentração era a Plaza de Colón, da qual a estátua de Colombo
olhava uma gigantesca bandeira
da Espanha a meio pau, ao lado de
tantas outras com um laço de crepom negro, sinal de luto.
Bandeiras espanholas cortadas
pelo luto estavam, aliás, presentes
em vários outros pontos da cidade, perto ou longe da Castellana,
em cuja extremidade sul, a Puerta
de Atocha, deveria terminar o ato
-exatamente no local em que
dois trens foram destroçados pelas bombas do terror.
Das fontes da praça, outro dos
cartões-postais de Madri, jorrava
menos água do que de um céu de
chumbo. Não importava. Na verdade, "no está lloviendo, Madrid
está llorando", dizia outro cartaz.
Outros cartazes deixavam de lado toda a poesia para dizer aos
terroristas: "Sois una mierda". Ou
"ETA y Al Qaeda son la misma
mierda".
Tanto quanto a chuva, a dúvida
sobre a autoria dos atentados e
sua eventual exploração política
freqüentou a marcha. Acabou,
aliás, com um coro: "Queremos la
verdad antes del domingo" -dia
da eleição. Como é pouco provável que os atentados estejam esclarecidos até lá, votarão em um
ambiente que outro cartaz da
marcha descrevia assim: "No sabemos quién ha sido, pero sabemos quién ha muerto". Quem
morreu? Segundo outro cartaz:
"Morimos todos".
(CLÓVIS ROSSI)
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