São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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MORTE NOS TRILHOS

O BEBÊ
Patricia tinha sete meses, loira, com olhos azuis e um bracelete de ouro no pulso com seu nome escrito. Anteontem, ela viajava com seus pais num dos trens explodidos. O seu pequeno corpo ferido foi encontrado sozinho, arremessado para uma plataforma da estação. Com o peito esmagado, gravemente ferida, Patricia foi colocada num respirador artificial. Por baixo da máscara, seus olhos assustados não paravam de chorar. Enquanto lutava pela vida durante todo o dia, não foi encontrada por nenhum parente. Ontem de manhã ela morreu. Sua mãe, Jolanda, 28, foi encontrada horas depois em outro hospital, gravemente ferida. Seu pai, um imigrante romeno de 34 anos, ainda não foi encontrado.

O TRABALHADOR
José Antonio Nsang toma todo dia o trem que sai do bairro suburbano de trabalhadores El Pozo. Anteontem, ele pegou o carro para levar sua namorada para o trabalho. A pequena alteração em sua rotina salvou a vida dos dois. O auditor de 37 anos foi ontem ver os destroços na estação. "Foi uma coincidência. A primeira coisa em que pensei foi que a minha vida foi salva por um milagre."

O IMIGRANTE
Hector Figueroa, 33, veio do Chile com sua mulher, Angelica, 27, oito meses atrás. Anteontem, como todos os dias, ele tomou o trem em direção a seu trabalho na construção. Susana Maldonado, também recém-chegada do Chile, identificou ontem o corpo de Figueroa. "Ele era tão entusiasmado e encorajador para todos nós. É tão difícil estar longe de sua casa, numa terra estranha."
Muitos imigrantes sem documentação estão com medo de ir ao necrotério temendo serem deportados. O governo anunciou que todas as vítimas e seus parentes próximos ganharão a nacionalidade espanhola.

O ADOLESCENTE
Rex Feder, 18, perdeu a sua vida por estar 20 minutos atrasado. O adolescente, nascido em Madri de pais filipinos, perdeu o trem que habitualmente tomava para o trabalho. Pegou o seguinte. Seus pais passaram o dia inteiro indo de hospital em hospital. Na hora do almoço, encontraram o seu corpo. Só o reconheceram pela tatuagem.

A PARENTE
Jeanette Llanga, 28, estava cansada e impaciente quando chegou junto com sua irmã, Gisela, 26, no necrotério improvisado na periferia de Madri. Era a última parada de uma busca de 24 horas por um irmão e um primo desaparecidos. Preparando-se para o pior, as duas esperaram no segundo andar do centro de convenções enquanto funcionários da prefeitura traziam uma lista com os nomes dos mortos. "Telefonamos para os hospitais e eles disseram que não há ninguém com os nomes deles. Eu quero que eles estejam feridos, não mortos", disse Jeanette. "Há corpos que ainda não foram identificados. Eu preciso descobrir", disse Gisela.

O ESTUDANTE
"Eu estava em um outro trem indo para El Pozo", disse Pablo Vaquero, de 18 anos. "Quando cheguei à universidade fiquei sabendo o que tinha acontecido e que pessoas do meu bairro e da minha igreja haviam morrido. Felizmente, ninguém muito próximo de mim foi morto." (DO "INDEPENDENT")


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