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Brancos zimbabuanos vivem de ressentimentos
Reduzida a 10% do que era em 1980, minoria reclama de Mugabe e da ex-metrópole
No clube de críquete, minoria diz que convivência com maioria negra só é ruim no campo, onde reforma agrária lhe tirou fazendas
ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE
FABIO ZANINI
EM HARARE
Reduzida a 10% do que era na
época da independência, a comunidade branca do Zimbábue
ainda sente os efeitos psicológicos da reforma agrária de Robert Mugabe, que há quase uma
década tirou-lhe a posse de terras e passou para negros, no
que serviu de propulsor a uma
onda de violência.
"A nossa convivência com os
negros é boa, desde que você
não saia da cidade para o campo", diz Peter, um médico branco de meia-idade, zimbabuano
de nascença, que preferiu não
dizer o sobrenome.
Hoje são cerca de 25 mil
brancos no país. Em 1980, ano
em que Mugabe chegou ao poder, eram 250 mil. Eles se reúnem em locais como o pub do
Harare Cricket Club, principal
estádio do esporte que foi introduzido pelo colonizador britânico no início do século 20.
Comunicam-se entre si em inglês e entendem pouco ou nada
de shona ou ndebele, línguas
africanas usadas pelos negros.
À primeira vista, os brancos
parecem viver num gueto, mas
essa impressão é falsa, dizem
eles. "Nunca tive problemas sérios com os negros. No máximo
um olhar agressivo nas ruas",
diz Barry, jogador profissional
de golfe que nasceu no Zimbábue, mas naturalizou-se sul-africano. A chave, repete, é tomar cuidados básicos, como
não ir sozinho a zonas rurais.
Apartheid
O Zimbábue nunca teve um
sistema institucionalizado de
segregação racial como a vizinha África do Sul. Mas o período de 1965 a 1979, sob o regime
de Ian Smith, havia um apartheid "de fato", que foi rompido
apenas com a independência.
Ao visitar o clube de críquete,
de grama impecavelmente cortada, a reportagem da Folha
contou dez brancos há 12 dias,
e apenas dois negros. Um deles,
Clive, 38, afirma que "só freqüenta o pub porque estudou
com brancos". "Se não fosse isso, seria quase impossível me
misturar. Espero que isso mude com as próximas gerações."
Nas paredes, fotos antigas de
seleções zimbabuanas de críquete mostram predominância
quase exclusiva de brancos.
Com o êxodo dos últimos anos,
o desempenho do time nacional despencou, a ponto de hoje
haver dificuldades de marcar
jogos contra outros países.
Os brancos são poucos para
terem algum peso político nacional, mas todos se dizem anti-Mugabe, e com evidentes
simpatias pelo MDC, o Movimento para Mudança Democrática, de Morgan Tsvangirai.
É natural, visto que Mugabe
passou a campanha presidencial vilificando os britânicos e
seus "agentes" no país.
Mas os brancos com quem a
Folha conversou se mostram
na verdade algo ressentidos
com a ex-metrópole. "Os ingleses nos odeiam", diz um comerciante de origem polonesa, sentado numa mesa do pub, que
não quis dar o nome. "Não sei
se nos odeiam", responde Peter, o médico. "Mas certamente
não estão nem aí para nós."
ANDREA MURTA viajou a convite das ONGs Conectas Direitos Humanos e Open Society
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