São Paulo, domingo, 13 de abril de 2008

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Brancos zimbabuanos vivem de ressentimentos

Reduzida a 10% do que era em 1980, minoria reclama de Mugabe e da ex-metrópole

No clube de críquete, minoria diz que convivência com maioria negra só é ruim no campo, onde reforma agrária lhe tirou fazendas

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE

FABIO ZANINI
EM HARARE

Reduzida a 10% do que era na época da independência, a comunidade branca do Zimbábue ainda sente os efeitos psicológicos da reforma agrária de Robert Mugabe, que há quase uma década tirou-lhe a posse de terras e passou para negros, no que serviu de propulsor a uma onda de violência.
"A nossa convivência com os negros é boa, desde que você não saia da cidade para o campo", diz Peter, um médico branco de meia-idade, zimbabuano de nascença, que preferiu não dizer o sobrenome.
Hoje são cerca de 25 mil brancos no país. Em 1980, ano em que Mugabe chegou ao poder, eram 250 mil. Eles se reúnem em locais como o pub do Harare Cricket Club, principal estádio do esporte que foi introduzido pelo colonizador britânico no início do século 20. Comunicam-se entre si em inglês e entendem pouco ou nada de shona ou ndebele, línguas africanas usadas pelos negros.
À primeira vista, os brancos parecem viver num gueto, mas essa impressão é falsa, dizem eles. "Nunca tive problemas sérios com os negros. No máximo um olhar agressivo nas ruas", diz Barry, jogador profissional de golfe que nasceu no Zimbábue, mas naturalizou-se sul-africano. A chave, repete, é tomar cuidados básicos, como não ir sozinho a zonas rurais.

Apartheid
O Zimbábue nunca teve um sistema institucionalizado de segregação racial como a vizinha África do Sul. Mas o período de 1965 a 1979, sob o regime de Ian Smith, havia um apartheid "de fato", que foi rompido apenas com a independência.
Ao visitar o clube de críquete, de grama impecavelmente cortada, a reportagem da Folha contou dez brancos há 12 dias, e apenas dois negros. Um deles, Clive, 38, afirma que "só freqüenta o pub porque estudou com brancos". "Se não fosse isso, seria quase impossível me misturar. Espero que isso mude com as próximas gerações."
Nas paredes, fotos antigas de seleções zimbabuanas de críquete mostram predominância quase exclusiva de brancos. Com o êxodo dos últimos anos, o desempenho do time nacional despencou, a ponto de hoje haver dificuldades de marcar jogos contra outros países.
Os brancos são poucos para terem algum peso político nacional, mas todos se dizem anti-Mugabe, e com evidentes simpatias pelo MDC, o Movimento para Mudança Democrática, de Morgan Tsvangirai. É natural, visto que Mugabe passou a campanha presidencial vilificando os britânicos e seus "agentes" no país.
Mas os brancos com quem a Folha conversou se mostram na verdade algo ressentidos com a ex-metrópole. "Os ingleses nos odeiam", diz um comerciante de origem polonesa, sentado numa mesa do pub, que não quis dar o nome. "Não sei se nos odeiam", responde Peter, o médico. "Mas certamente não estão nem aí para nós."


ANDREA MURTA viajou a convite das ONGs Conectas Direitos Humanos e Open Society


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