São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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Fuga de cérebros ameaça países africanos

Êxodo de profissionais qualificados é estimulado por nações ricas; ao ano, 70 mil subsaarianos estudam fora do continente

Dois em cada cinco imigrantes do Benin e da Tanzânia têm um diploma universitário; metade dos ugandenses com nível superior vive fora do país

RAUL JUSTE LORES
EM SEVILHA

A fuga de cérebros da África é uma das maiores ameaças ao mais pobre continente da Terra. O êxodo de profissionais com diploma universitário, tão escasso por ali, é estimulado pelos mesmos países ricos que dizem querer ajudar no crescimento africano.
Essas são as opiniões de diversos especialistas africanos, que apresentaram estudos inéditos sobre o tema na Conferência Atlântica, em Sevilha, promovida pelo Chicago Council on Global Affairs e o espanhol Instituto Real Elcano, ambos centros de estudos de relações internacionais. A Folha foi o único jornal brasileiro convidado para o encontro.
Anualmente 70 mil africanos subsaarianos vão fazer seus estudos universitários fora do continente -a maioria não volta; 40 mil africanos com PhD vivem no exterior. Ainda que imigrantes com nível superior sejam apenas 2,5% do total de africanos que moram no exterior, o êxodo de médicos, engenheiros e professores tem um impacto muito maior.
"Vários programas de concessão de visto nos EUA "facilitam" a entrada desses profissionais, enquanto colocam barreiras aos mais pobres", diz o diretor do Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos de Lagos, Aderanti Adepoju, que estuda imigração há 35 anos.
O presidente eleito francês, Nicolas Sarkozy, que combate a imigração, já defendeu a adoção de uma política para atrair "os mais qualificados".
Dois em cada cinco imigrantes de países como Benin, Tanzânia, Zimbábue, Camarões e Malaui têm diploma universitário. Metade da população de Uganda e Quênia com diploma superior vive fora de seu país.

Timidez
Em reconhecimento ao impacto negativo da fuga de cérebros, a Holanda patrocina um programa para que médicos ganenses retornem por temporadas a seu país para trabalhar em mutirões. Sempre por um breve período.
As iniciativas dos países mais ricos, maiores beneficiados com o êxodo, ainda são tímidas. "Há relação direta entre imigração e desenvolvimento. É irônico que os EUA gastem muito mais em subsídios a 25 mil produtores de algodão do que em todo o orçamento de cooperação com a África. Produção que barra exportações africanas", acusa Adepoju.
O professor Richard Asante, da Universidade de Gana, acha que os países desenvolvidos deveriam facilitar as remessas dos imigrantes para seus parentes. "Para um ilegal, é fácil exigir um custo de transferência exorbitante, que às vezes é de 20% da remessa." As remessas de imigrantes a parentes na África chegaram a US$ 15 bilhões no ano passado, dos quais US$ 9 bilhões se concentram no Egito, Marrocos e Argélia.
Os diferentes graus de pobreza na África criam dinâmicas internas. Apesar de afetada pela fuga de cérebros, a África do Sul, país mais rico do continente, importa profissionais dos vizinhos mais pobres.
"Muita gente do Zimbábue e de Moçambique com estudos vem para o meu país trabalhar na construção, como mecânicos ou domésticas", diz o deputado sul-africano Dumisani Job Sithole. "Sofremos com a fuga de mão-de-obra qualificada no início da democratização. Muitos brancos emigraram por acharem que o regime de apartheid era melhor para eles."


O jornalista Raul Juste Lores viajou a convite do Chicago Council on Global Affairs


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