São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

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ARTIGO

Tony Blair ou a esquerda possível


Apesar dos números econômicos e sociais positivos obtidos pelo premiê da Terceira Via, envolvimento no conflito de Bush fez sua popularidade cair


Peter Macdiarmid/Associated Press
Tony Blair, que sai em baixa

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

Quando Tony Blair ganhou sua primeira eleição, há exatos dez anos, o filósofo Roberto Mangabeira Unger desprezou a "Terceira Via" com uma frase cortante: "É neoliberalismo com desconto", disparou.
A Terceira Via, como se sabe, é a construção ideológico-marqueteira para designar um caminho intermediário entre as tendências estatizantes da velha social-democracia e o liberalismo puro e duro que com ela compete, ao menos na Europa.
Agora que Mangabeira Unger tornou-se ministro do governo Lula, encarregado de pensar o futuro, é razoável supor que o modelo Blair não será levado em conta, a menos que o filósofo tenha mudado completamente de opinião também nessa matéria, como o fez em relação à corrupção.
Se não mudou, faz mal. Ao completar dez anos como ocupante do número 10 da Downing Street, em Londres, a morada oficial dos primeiros-ministros do Reino Unido, Blair tem uma caudalosa coleção de estatísticas positivas, capazes de fazer dele, da Terceira Via ou da Governança Progressista, como passou depois a ser chamada, a esquerda possível no estágio contemporâneo do planeta.

Fracasso de crítica
O resumo básico do governo Blair foi assim feito por Anthony Giddens, o ideólogo da Terceira Via:
"Três milhões de pessoas saíram da pobreza ao longo de dez anos de prosperidade, 75% da população em idade de trabalhar está em atividade, o salário mínimo [estabelecido por Blair] aumenta rapidamente e, graças a isso, o governo pode investir nos serviços públicos".
É tudo verdade. Giddens poderia até ter acrescentado outros números luminosos, que vão da contratação de 85 mil novas enfermeiras à criação de 62 novos campos de jogos, só em 2004 e 2005.
No entanto, como diria Lula, nunca antes (no Reino Unido, talvez no mundo) um tal sucesso estatístico foi também um tremendo fracasso de crítica, a ponto de Blair se ver obrigado a retirar-se na metade dos quatro anos de seu terceiro mandato. Recente pesquisa do instituto Ipsos-Mori lhe dá menos 40 pontos na escala de popularidade, depois de ter começado com 65 positivos.
Mas a culpa do desgaste está bem longe do Reino Unido. Chama-se Iraque. O fato de Blair haver se engajado totalmente na aventura iraquiana de George Walker Bush, contra a opinião majoritária do público britânico, arruinou seu prestígio.
Ruína que só fez crescer na medida em que ficava claro que todas as razões invocadas para a guerra -a existência de armas de destruição em massa ou a ligação de Saddam Hussein com Al Qaeda- eram um tremendo blefe.
Ficou parecendo que tudo o que Blair dizia, inclusive os fatos realmente positivos, não passava de "spin", o jargão político-marqueteiro para designar "torcer" fatos para que pareçam melhores do que são (ou, pior ainda, tentar transformar coisas ruins em muito boas).
A Guerra do Iraque acabou fazendo parecer "spin" até brilhantes estatísticas, como o crescimento econômico de 2,8%, na média anual desde 1997, número extraordinário para uma economia madura. É o crescimento do período Lula em um Brasil imensamente mais pobre e com quase tudo por fazer, antes que o IBGE mexesse nas contas e descobrisse um país 10% maior, até então invisível.
Conseqüência inevitável: a redução do desemprego (para 5,5%), colocando o Reino Unido em invejável posição entre seus pares europeus.
Para comparação: a meta anunciada pelo presidente recém-eleito da França, Nicolas Sarkozy, é reduzir o desemprego a 5% ao final de seus cinco anos de governo. É praticamente onde já está o Reino Unido de Blair.
O premiê britânico jamais teve dificuldade em romper dogmas, da esquerda ou da direita. Foi ele quem levou o partido a revogar o artigo de sua Constituição (é o pomposo nome que se dá ao programa partidário no Reino Unido) que previa a estatização dos meios de produção.
Podia ser um artigo decorativo, mas a revogação dava aos trabalhistas o rótulo de pró-mercado com o qual ganharam três eleições consecutivas, outro fato que nunca ocorrera na história do país.
Depois, Blair introduziu o salário mínimo, rompendo com a inércia liberal que diz que cabe ao mercado fixar preços, inclusive o do trabalho, não ao governo.
Ainda por cima, devolveu a autonomia ao País de Gales e à Escócia e acaba de conseguir histórico acordo de co-governo entre ex-inimigos irreconciliáveis na Irlanda do Norte.
Nada, no entanto, bastou para cobrir o fiasco iraquiano. Mesmo assim, a política britânica, com trabalhistas ou com os conservadores, terá doravante de se pautar pelo objetivo de "manter a competitividade anglo-saxã, mas procurando mitigar sua aspereza com uma agenda social mais escandinava", como diz, sobre a era Blair, Sunder Katwala, secretário-geral da Sociedade Fabiana, centro de estudos dos moderados socialistas fabianos.


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