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ARTIGO
Tony Blair ou a esquerda possível
Apesar dos números econômicos e sociais positivos obtidos pelo premiê da
Terceira Via, envolvimento no conflito de Bush fez sua popularidade cair
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Peter Macdiarmid/Associated Press
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Tony Blair, que sai em baixa
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS
Quando Tony Blair ganhou
sua primeira eleição, há exatos
dez anos, o filósofo Roberto
Mangabeira Unger desprezou a
"Terceira Via" com uma frase
cortante: "É neoliberalismo
com desconto", disparou.
A Terceira Via, como se sabe,
é a construção ideológico-marqueteira para designar um caminho intermediário entre as
tendências estatizantes da velha social-democracia e o liberalismo puro e duro que com
ela compete, ao menos na Europa.
Agora que Mangabeira Unger tornou-se ministro do governo Lula, encarregado de
pensar o futuro, é razoável supor que o modelo Blair não será
levado em conta, a menos que o
filósofo tenha mudado completamente de opinião também
nessa matéria, como o fez em
relação à corrupção.
Se não mudou, faz mal. Ao
completar dez anos como ocupante do número 10 da Downing Street, em Londres, a morada oficial dos primeiros-ministros do Reino Unido, Blair
tem uma caudalosa coleção de
estatísticas positivas, capazes
de fazer dele, da Terceira Via ou
da Governança Progressista,
como passou depois a ser chamada, a esquerda possível no
estágio contemporâneo do planeta.
Fracasso de crítica
O resumo básico do governo
Blair foi assim feito por Anthony Giddens, o ideólogo da
Terceira Via:
"Três milhões de pessoas saíram da pobreza ao longo de dez
anos de prosperidade, 75% da
população em idade de trabalhar está em atividade, o salário
mínimo [estabelecido por
Blair] aumenta rapidamente e,
graças a isso, o governo pode investir nos serviços públicos".
É tudo verdade. Giddens poderia até ter acrescentado outros números luminosos, que
vão da contratação de 85 mil
novas enfermeiras à criação de
62 novos campos de jogos, só
em 2004 e 2005.
No entanto, como diria Lula,
nunca antes (no Reino Unido,
talvez no mundo) um tal sucesso estatístico foi também um
tremendo fracasso de crítica, a
ponto de Blair se ver obrigado a
retirar-se na metade dos quatro anos de seu terceiro mandato. Recente pesquisa do instituto Ipsos-Mori lhe dá menos 40
pontos na escala de popularidade, depois de ter começado com
65 positivos.
Mas a culpa do desgaste está
bem longe do Reino Unido.
Chama-se Iraque. O fato de
Blair haver se engajado totalmente na aventura iraquiana
de George Walker Bush, contra
a opinião majoritária do público britânico, arruinou seu prestígio.
Ruína que só fez crescer na
medida em que ficava claro que
todas as razões invocadas para
a guerra -a existência de armas de destruição em massa ou
a ligação de Saddam Hussein
com Al Qaeda- eram um tremendo blefe.
Ficou parecendo que tudo o
que Blair dizia, inclusive os fatos realmente positivos, não
passava de "spin", o jargão político-marqueteiro para designar
"torcer" fatos para que pareçam melhores do que são (ou,
pior ainda, tentar transformar
coisas ruins em muito boas).
A Guerra do Iraque acabou
fazendo parecer "spin" até brilhantes estatísticas, como o
crescimento econômico de
2,8%, na média anual desde
1997, número extraordinário
para uma economia madura. É
o crescimento do período Lula
em um Brasil imensamente
mais pobre e com quase tudo
por fazer, antes que o IBGE mexesse nas contas e descobrisse
um país 10% maior, até então
invisível.
Conseqüência inevitável: a
redução do desemprego (para
5,5%), colocando o Reino Unido em invejável posição entre
seus pares europeus.
Para comparação: a meta
anunciada pelo presidente recém-eleito da França, Nicolas
Sarkozy, é reduzir o desemprego a 5% ao final de seus cinco
anos de governo. É praticamente onde já está o Reino
Unido de Blair.
O premiê britânico jamais teve dificuldade em romper dogmas, da esquerda ou da direita.
Foi ele quem levou o partido a
revogar o artigo de sua Constituição (é o pomposo nome que
se dá ao programa partidário
no Reino Unido) que previa a
estatização dos meios de produção.
Podia ser um artigo decorativo, mas a revogação dava aos
trabalhistas o rótulo de pró-mercado com o qual ganharam
três eleições consecutivas, outro fato que nunca ocorrera na
história do país.
Depois, Blair introduziu o salário mínimo, rompendo com a
inércia liberal que diz que cabe
ao mercado fixar preços, inclusive o do trabalho, não ao governo.
Ainda por cima, devolveu a
autonomia ao País de Gales e à
Escócia e acaba de conseguir
histórico acordo de co-governo
entre ex-inimigos irreconciliáveis na Irlanda do Norte.
Nada, no entanto, bastou para cobrir o fiasco iraquiano.
Mesmo assim, a política britânica, com trabalhistas ou com
os conservadores, terá doravante de se pautar pelo objetivo
de "manter a competitividade
anglo-saxã, mas procurando
mitigar sua aspereza com uma
agenda social mais escandinava", como diz, sobre a era Blair,
Sunder Katwala, secretário-geral da Sociedade Fabiana, centro de estudos dos moderados
socialistas fabianos.
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