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Índios na Venezuela fogem de conflito na Colômbia
Violência no país vizinho cria população de deslocados internos na região fronteiriça
Mais de 90 famílias deixam suas casas no Estado de Apure, incorporado à rota do narcotráfico, seqüestros e extorsão pelas Farc e o ELN
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A EL AMPARO
O relato é típico do conflito
interno colombiano. Por volta
das 14h do dia 13 de julho, guerrilheiros das Farc invadiram
duas comunidades indígenas
vizinhas e impuseram três horas para que deixassem tudo
para trás -casas, animais e
plantações. Cento e quarenta
homens, mulheres e crianças
começaram uma longa marcha
a pé apenas com a roupa do corpo e um pouco de alimento rumo ao país vizinho.
A diferença é que, desta vez,
as 23 famílias expulsas de suas
terras estavam na Venezuela. E
o país vizinho é a Colômbia.
Há quatro semanas, o primeiro grupo de 17 famílias da
etnia makawan voltou à Venezuela, depois de caminhar por
oito dias até a cidade colombiana de Arauca, onde ficaram
acampadas no lixão da cidade.
Na semana passada, foi a vez
dos kuivas, que haviam fugido a
uma zona isolada da Colômbia.
Na última quinta-feira, a reportagem da Folha visitou o
grupo na cidade de El Amparo,
perto da fronteira. Todos dormem num posto de gasolina
abandonado, desprotegido do
vento e da chuva. Não há água
nem banheiro. Os poucos pertencem se resumem a redes,
colchões, brinquedos velhos e
panelas doados pela prefeitura
e por organizações religiosas.
A pouca comida disponível é
distribuída de forma irregular
por grupos religiosos e entidades do Estado. Durante o dia, a
maioria dos homens sai por El
Amparo, de apenas 10 mil habitantes, a caçar lagartos para
complementar as refeições.
"Deixamos as vacas, cavalos,
burros, plantação de banana,
mandioca, milho, acho que eles
[os guerrilheiros] agarraram
tudo", diz o líder do grupo, Joaquim (nome fictício), 38. "Temos de começar de novo."
Inicialmente com receio de
falar, Joaquim diz que é a primeira vez que está fora do seu
território, localizado no município de La Victoria, de uns 20
mil habitantes e com forte presença guerrilheira. Num espanhol pausado, diz que "de 150 a
300" guerrilheiros armados
participaram da operação. Outras 40 famílias ficaram na área
-segundo ele, porque aceitaram "colaborar" com as Farc.
O líder, chamado de "capitão" pelos outros indígenas, diz
que não há hipótese de o grupo
voltar à região. Mostrando uma
cópia amassada da Constituição venezuelana, diz que está
pedindo ao governo Hugo Chávez uma nova área.
Embora o episódio tenha
acontecido há dois meses, o governo venezuelano diz que ainda não sabe se as famílias saíram por decisão própria ou se
foram ameaçadas pela guerrilha (leia texto nesta página).
O Serviço Jesuíta a Refugiados (SJR), que vem dando assistência aos indígenas, afirma
que não foi possível corroborar
a versão dos indígenas. Mas, segundo um alto funcionário da
entidade, não há dúvidas de
que se trata de uma "emergência humanitária e de um deslocamento interno em massa".
Por outro lado, o SJR diz que
o mais urgente é que nenhuma
entidade do Estado assumiu
até agora a atenção ao grupo,
formado principalmente por
crianças, muitas com problemas de diarréia. Anteontem,
quando a reportagem visitava o
local, uma esperada visita médica nunca chegou.
Reincidência
Não são os primeiros casos
de deslocamento em Apure, Estado fronteiriço predominantemente rural e forte presença
de guerrilheiros das Farc, do
ELN (Exército de Liberação
Nacional) e da nascente guerrilha venezuelana, FBL (Forças
Bolivarianas de Liberação).
Em outubro do ano passado,
70 famílias da mesma região de
La Victoria deixaram a área rural por causa de enfrentamentos entre as Farc e o ELN, que
disputam o controle da fronteira -estratégica para rotas do
narcotráfico, para a realização
de seqüestros e para a cobrança
de "vacina" -extorsão- de fazendeiros e comerciantes em
ambos os países.
A maior parte das famílias ficou alojada num restaurante de
La Victoria cedido pela dona. A
maioria voltou às suas casas depois de três semanas, após o
Exército venezuelano ter realizado uma operação na região.
No início deste ano, foi a vez
de a proprietária do restaurante ter de abandonar La Victoria
depois de um de seus filhos ter
sido morto, aparentemente em
represália à sua ajuda.
Embora não existam estatísticas, relatos recebidos por entidades como a SJR dão conta
de que há vários casos de deslocamentos forçados individuais,
como foi o caso da dona do restaurante em La Victoria.
A região de Apure também
tem recebido um fluxo constante de refugiados colombianos vindos de áreas contíguas.
Segundo o Acnur (agência da
ONU para refugiados), 286 colombianos pediram refúgio ao
longo do ano passado. De janeiro a junho deste ano, já foram
286 casos, entre recém-chegados e moradores que decidiram
buscar o benefício.
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