São Paulo, sábado, 13 de setembro de 2008

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Índios na Venezuela fogem de conflito na Colômbia

Violência no país vizinho cria população de deslocados internos na região fronteiriça

Mais de 90 famílias deixam suas casas no Estado de Apure, incorporado à rota do narcotráfico, seqüestros e extorsão pelas Farc e o ELN

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A EL AMPARO

O relato é típico do conflito interno colombiano. Por volta das 14h do dia 13 de julho, guerrilheiros das Farc invadiram duas comunidades indígenas vizinhas e impuseram três horas para que deixassem tudo para trás -casas, animais e plantações. Cento e quarenta homens, mulheres e crianças começaram uma longa marcha a pé apenas com a roupa do corpo e um pouco de alimento rumo ao país vizinho.
A diferença é que, desta vez, as 23 famílias expulsas de suas terras estavam na Venezuela. E o país vizinho é a Colômbia.
Há quatro semanas, o primeiro grupo de 17 famílias da etnia makawan voltou à Venezuela, depois de caminhar por oito dias até a cidade colombiana de Arauca, onde ficaram acampadas no lixão da cidade. Na semana passada, foi a vez dos kuivas, que haviam fugido a uma zona isolada da Colômbia.
Na última quinta-feira, a reportagem da Folha visitou o grupo na cidade de El Amparo, perto da fronteira. Todos dormem num posto de gasolina abandonado, desprotegido do vento e da chuva. Não há água nem banheiro. Os poucos pertencem se resumem a redes, colchões, brinquedos velhos e panelas doados pela prefeitura e por organizações religiosas.
A pouca comida disponível é distribuída de forma irregular por grupos religiosos e entidades do Estado. Durante o dia, a maioria dos homens sai por El Amparo, de apenas 10 mil habitantes, a caçar lagartos para complementar as refeições.
"Deixamos as vacas, cavalos, burros, plantação de banana, mandioca, milho, acho que eles [os guerrilheiros] agarraram tudo", diz o líder do grupo, Joaquim (nome fictício), 38. "Temos de começar de novo."
Inicialmente com receio de falar, Joaquim diz que é a primeira vez que está fora do seu território, localizado no município de La Victoria, de uns 20 mil habitantes e com forte presença guerrilheira. Num espanhol pausado, diz que "de 150 a 300" guerrilheiros armados participaram da operação. Outras 40 famílias ficaram na área -segundo ele, porque aceitaram "colaborar" com as Farc.
O líder, chamado de "capitão" pelos outros indígenas, diz que não há hipótese de o grupo voltar à região. Mostrando uma cópia amassada da Constituição venezuelana, diz que está pedindo ao governo Hugo Chávez uma nova área.
Embora o episódio tenha acontecido há dois meses, o governo venezuelano diz que ainda não sabe se as famílias saíram por decisão própria ou se foram ameaçadas pela guerrilha (leia texto nesta página).
O Serviço Jesuíta a Refugiados (SJR), que vem dando assistência aos indígenas, afirma que não foi possível corroborar a versão dos indígenas. Mas, segundo um alto funcionário da entidade, não há dúvidas de que se trata de uma "emergência humanitária e de um deslocamento interno em massa".
Por outro lado, o SJR diz que o mais urgente é que nenhuma entidade do Estado assumiu até agora a atenção ao grupo, formado principalmente por crianças, muitas com problemas de diarréia. Anteontem, quando a reportagem visitava o local, uma esperada visita médica nunca chegou.

Reincidência
Não são os primeiros casos de deslocamento em Apure, Estado fronteiriço predominantemente rural e forte presença de guerrilheiros das Farc, do ELN (Exército de Liberação Nacional) e da nascente guerrilha venezuelana, FBL (Forças Bolivarianas de Liberação).
Em outubro do ano passado, 70 famílias da mesma região de La Victoria deixaram a área rural por causa de enfrentamentos entre as Farc e o ELN, que disputam o controle da fronteira -estratégica para rotas do narcotráfico, para a realização de seqüestros e para a cobrança de "vacina" -extorsão- de fazendeiros e comerciantes em ambos os países.
A maior parte das famílias ficou alojada num restaurante de La Victoria cedido pela dona. A maioria voltou às suas casas depois de três semanas, após o Exército venezuelano ter realizado uma operação na região.
No início deste ano, foi a vez de a proprietária do restaurante ter de abandonar La Victoria depois de um de seus filhos ter sido morto, aparentemente em represália à sua ajuda.
Embora não existam estatísticas, relatos recebidos por entidades como a SJR dão conta de que há vários casos de deslocamentos forçados individuais, como foi o caso da dona do restaurante em La Victoria.
A região de Apure também tem recebido um fluxo constante de refugiados colombianos vindos de áreas contíguas. Segundo o Acnur (agência da ONU para refugiados), 286 colombianos pediram refúgio ao longo do ano passado. De janeiro a junho deste ano, já foram 286 casos, entre recém-chegados e moradores que decidiram buscar o benefício.


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