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ANÁLISE
Por que Bush não vence hoje
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
No primeiro debate, George W.
Bush e John Kerry não disseram
rigorosamente nada diferente do
que já vinham apregoando em
entrevistas e comícios. No segundo debate, chegaram a repetir, palavra por palavra, frases que já haviam usado no primeiro debate.
Não é preciso ter um Ph.D. para
saber que hoje à noite Bush vai
pela 99ª vez falar que Kerry votou
98 vezes a favor de impostos e que
o democrata vai acusar novamente o presidente de não saber fazer
julgamentos adequados e de ter
cortado impostos somente para
os ricos.
Em termos de conteúdo, é quase certo que não haverá surpresas.
Tudo o que os candidatos falam
em debates é meticulosamente
avaliado e ponderado por ele e
sua equipe. No jargão dos marqueteiros, isso significa "manter o
foco" da campanha. Para Bush, isso quer dizer mostrar ao eleitor
que Kerry é um esquerdista gastador do dinheiro alheio (do contribuinte) que muda toda hora de
posição e que por isso é despreparado para exercer a Presidência. O
mantra do democrata é rotular
Bush como um "trigger-happy"
(alguém rápido para apertar o gatilho) que, com seu radicalismo,
afoiteza e decisões equivocadas,
deixou os Estados Unidos mais
inseguros e isolados.
No primeiro debate, Bush gaguejou, perdeu o fio da meada em
várias respostas e fez as famosas
caretas enquanto Kerry falava. Na
verdade, ele foi o Bush de sempre,
o mesmo Bush das entrevistas coletivas, dos discursos lidos e dos
improvisos.
Bush é muito subestimado pela
intelectualidade, mas, assim como Chance (o jardineiro simplório de "Muito Além do Jardim"
que torna-se presidente), encontra ressonância em uma parte significativa da população americana. Talvez seja a sinceridade quase impensada com que transmite
seu fundamentalismo. Talvez sejam as piadas autodepreciativas
que faz, como saber? O que é certo
é que não é a troco de nada que alguém ganha duas eleições para o
governo do Texas, uma para a
Presidência dos EUA e chega na
reta final de mais uma campanha
com grandes chances de nova vitória -mesmo apresentando como currículo um governo que fracassou na geração de empregos e
na Guerra do Iraque.
Bush nunca foi um rei da retórica, pelo contrário. Mas não foi por
essa razão que ele perdeu o primeiro debate.
Tão importante quanto a imagem que o candidato passa de si
para definir o "vencedor" de um
debate é a expectativa que se tem
em relação à performance de cada
um. Os marqueteiros americanos
sabem muito bem disso e não foi
por outra razão que antes do primeiro debate protagonizaram um
espetáculo ridículo na imprensa:
os democratas procuraram enaltecer as capacidades de Bush como debatedor ("Bush jamais perdeu um debate", afirmou Joe Lockhart, assessor de Kerry) e vice-versa para os republicanos ("John
Kerry é o maior debatedor desde
Cícero", disse o principal estrategista da campanha republicana,
Matthew Dowd). A lógica é a seguinte: se você assiste ao debate
pensando que Kerry vai ser massacrado e isso não acontece, você
acaba achando que ele foi bem.
E aí está a chave para entender
por que Kerry foi considerado tão
superior a Bush no primeiro debate: a imagem que a mídia americana construiu dele -para a
qual os republicanos ajudaram o
máximo que podiam com seus
anúncios de campanha- era
simplesmente irreal. Isso acontece com freqüência: em 1988 especulava-se que George Bush pai era
um "wimp" (um banana) e, em
1992, usavam para Bill Clinton o
mesmo rótulo que tentam colar
agora em Kerry: que era um "flip-flopper" (alguém que muda suas
opiniões de acordo com o gosto
do ouvinte). Nos dois casos, após
Bush pai e Clinton iniciarem seus
governos, essas imagens caíram
rapidamente no esquecimento.
De Kerry dizia-se que era alguém que não tinha talento para
se comunicar ou gerar empatia no
cidadão comum. Alguém que,
apesar de ter passado 20 anos no
Senado, era uma incógnita para a
maioria das pessoas. Enfim, alguém sobre quem não se sabia se
tinha o que é preciso para ocupar
a Casa Branca.
Quando a bola começou a rolar
em Coral Gables, o que se viu foi
um Kerry seguro, falando com
autoridade sobre os assuntos,
desfiando dados e fatos de maneira direta, clara e altiva, sem se intimidar. Enfrentando Bush de igual
para igual, ele colocou-se no mesmo patamar que o presidente.
Conseqüentemente, passou a impressão de que também possui essa intangível "fibra presidencial".
Todos os analistas concordaram que Bush esteve melhor no
segundo debate. Bush foi o Bush
do primeiro debate, que foi o
Bush de sempre: bronco, monocórdico. A diferença é que, em
Saint Louis, todos esperavam
mais de Kerry, que havia surpreendido no primeiro debate.
Como Kerry também foi o mesmo Kerry -seguro e convincente, mas apenas isso-, não conseguiu reproduzir o impacto inicial
e, assim, Bush pareceu maior.
Agora, para o debate final de
hoje à noite, Kerry entra com um
trunfo que ninguém lhe tira: ele já
convenceu a maioria de que tem
estatura presidencial. Bush, por
outro lado, está na defensiva e, como os temas da noite são economia e políticas domésticas
-campos em que o democrata
pode enumerar uma porção de
estatísticas embaraçosas sobre o
desempenho do atual governo-,
não poderá toda hora ficar repetindo que o mundo está melhor
sem Saddam Hussein no poder.
Diante desse quadro adverso,
não será uma grande surpresa se
Bush tentar colocar na mesa uma
das poucas cartas que tem na mão
para o debate: mostrar humildade
e admitir que errou em algum
momento durante os quatro anos
de sua Presidência, citando algum
caso específico -mas inócuo o
bastante para não causar sérios
embaraços.
O provável é que o debate seja
morno e anticlimático como uma
luta de boxe em que os pesos-pesados já conhecem todos os golpes que virão, não são fortes o suficiente para se sobrepujar ao rival
e passam o tempo todo se agarrando em "clinches", à espera do
gongo final. Para Bush, apenas
um improvável nocaute servirá.
Um triunfo por pontos valerá como empate. Só que sair do ringue
visto como um adversário à altura
de Bush, para Kerry, é vitória.
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