São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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Após os 200 mortos nos atentados, espanhóis vão às urnas sem saber a quem culpar; regionalismo volta ao centro do debate

Espanha tem eleição mais triste da história

DO COLUNISTA DA FOLHA, EM MADRI

Era para ser uma eleição sonífera. Uma escolha entre um assumido "más de lo mismo", oferecido pelo Partido Popular, há oito anos no governo, e seu novo líder, Mariano Rajoy, e uma "mudança tranqüila", como a rotula José Luis Rodríguez Zapatero, o candidato do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).
Duzentos mortos depois (ontem, morreu a 200ª vítima dos atentados de quinta-feira), as eleições viraram "as mais tristes e estranhas da história da democracia espanhola, com um país que se sente cheio de dor e de raiva ante o pior atentado de sua história", como escreveu ontem, no "El País", Soledad Gallego-Díaz, que vinha fazendo uma rica crônica diária sobre a campanha eleitoral.
Pior, sempre segundo Soledad, "existe a possibilidade, ainda por cima, de que os cidadãos irão às urnas sem saber a quem atribuir o massacre de Madrid". Ontem, ocorreram diversos enterros e cerimônias fúnebres no país.
Mudaria o resultado eleitoral saber se quem matou 200 pessoas foi a Al Qaeda ou o grupo terrorista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna ou Pátria Basca e Liberdade)? Ninguém sabe. A sabedoria convencional, no entanto, manda dizer que, se foi o ETA, o governo sairia favorecido porque vendeu a idéia de que os socialistas são brandos com o grupo terrorista.
Se foi a Al Qaeda, como agora parece mais provável, o governo certamente pagará um preço por seu apoio à Guerra do Iraque, mas é cedo para saber se o custo virá já na votação de hoje.
Mesmo que o terror islâmico seja o culpado, a ETA está em tamanha evidência, e deixa claro que um tema que parecia artificialmente inflado durante a campanha tornou-se de fato relevante: como tratar as reivindicações autonomistas de regiões como o próprio País Basco, a Catalunha, a Andaluzia, a Galícia?
Para brasileiros, habituados a ver diferenças apenas de sotaque entre gaúchos e baianos, paulistas e cariocas, é bom saber que, na Espanha, quase a metade da população tem outra língua oficial (não um mero sotaque), além do espanhol. Aliás, há nacionalistas que dizem que não é correto usar "espanhol". O certo seria "castelhano", a língua de Castela (ou Madri, o centro político hoje).
Se é certo que apenas uma minoria extremista prega, por exemplo, a independência do País Basco, é também certo que a Espanha tem um problema não resolvido: a questão de suas 17 regiões autônomas.
"A devolução das competências (fiscais, administrativas, políticas) às autonomias ainda não atingiu o estágio final desenhado pela Constituição", diz, por exemplo, Sebastian Balfour, professor de Estudos Espanhóis Contemporâneos na London School of Economics.

Diferenças
Aí, sim, há diferenças entre PSOE e PP, aponta Balfour: "Ao contrário do PSOE, o PP se recusa a negociar e aprofundar o processo de autonomia, uma política que tenderia a ganhar considerável apoio entre bascos e catalãos, minando os esforços dos que buscam a independência".
Vai um pouco na mesma direção Josep Fradera, professor de História Moderna e Contemporânea na Universidade Autônoma de Barcelona. Começa dizendo que "a direita espanhola (o PP) não percebe o impacto da dureza da ditadura franquista (1939/ 1975) em sociedades com cultura própria e uma experiência política complexa nas primeiras décadas do século 20".
Por isso mesmo, nega-se ao diálogo com as lideranças autonômicas para ampliar a descentralização. "O dilema de todo sistema federal ou quase federal, que é o de saber quem manda e de onde manda, permanece sem se resolver na Espanha", conclui Fradera.

Descentralização
É opinião inversa à do filósofo Fernando Savater, catedrático de filosofia na Universidade Complutense de Madri e, hoje, um dos alvos preferenciais dos nacionalistas. Em artigo recente, Savater diz que a Espanha já é "o país mais descentralizado da União Européia", para concluir que "a autonomização parece o primeiro passado rumo à atomização".
Os atentados de quinta-feira reatualizaram a discussão, como deixa claro o artigo de ontem, também no jornal "El País" , de autoria de Jordi Pujol, que foi o presidente da Generalitat (o governo autônomo catalão) desde a redemocratização, em 1977, até a derrota eleitoral de seu partido, no fim do ano passado.
Depois de lamentar o "clima muito tenso da política espanhola", Pujol cobra "um esforço de diálogo, é claro que não com o ETA, seja ou não responsável pelo atentado de Madri, mas sim com o nacionalismo democrático catalão e basco".
Agora, as urnas vão dizer se o eleitorado prefere o PSOE, mais inclinado ao diálogo (não com o ETA, que fique claro), ou concede nova maioria absoluta ao PP e à sua política dura em relação a qualquer tipo de reivindicação autonomista. (CLÓVIS ROSSI)


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