São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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RELIGIÃO

Nova ação da polícia da moral contra a moda feminina desaconselhada pelo islã abre debate de proporções inusitadas no país

Irã amplia repressão às roupas "impróprias"

PAUL HUGHES
DA REUTERS, EM TEERÃ

Esqueça os inspetores nucleares, a instabilidade no Iraque ou o problema cada vez maior das drogas. O tópico mais quente no Irã hoje em dia é a moda feminina: o que as mulheres podem ou não podem vestir.
A polícia da moral e os guardiães dos valores islâmicos lançaram uma onda de repressão ferrenha à "vestimenta imprópria", apreendendo casacos justos e calças curtas de shoppings da moda e detendo dezenas de mulheres diariamente por desobedecerem às normas islâmicas referentes à vestimenta.
Esse conjunto de normas foi imposto após a Revolução Islâmica de 1979 e requer que as mulheres cubram os cabelos e usem roupas longas e largas, que escondam totalmente seus corpos.
Roshanak, 27, ficou dois dias presa porque deixou cair seu lenço da cabeça quando estacionava o carro. "Meu marido teve de pagar 10 milhões de rials (US$ 1.266) para me soltar, e estou aguardando julgamento. Meu advogado disse que posso ser açoitada."
Embora essa repressão não seja novidade -ela costuma se intensificar durante o verão, quando o calor leva muitas mulheres a testar os limites da lei-, o nível de discussão que a está acompanhando é algo inusitado. Segundo a imprensa iraniana, o Ministério do Interior está redigindo novas diretrizes para deixar claro o que pode ser vestido e o que não pode.
Para muitas pessoas, lançar diretrizes explícitas sobre o comprimento aceitável dos casacos de mulheres ou decretar se sandálias e brincos são proibidos coloca em risco os avanços muito pequenos que as mulheres iranianas conquistaram nos últimos anos.
O jornal reformista "Sharq" disse: "A maneira como as pessoas se vestem é uma decisão que cabe a cada um. O governo não deve aprovar uma lei como essa". Mas muitos clérigos, alarmados com o fato de cada vez mais mulheres estarem abrindo mão da roupa preto que as recobria dos pés à cabeça, em favor de lenços coloridos, casacos justos e calças capri (que deixam descoberta a parte inferior das pernas), acham que já é hora de uma lei dessa.
"Algumas mulheres saem na rua a meio milímetro de quebrar o código de vestimenta islâmico", comentou o clérigo Ahmad Khatami. "É uma tendência muito perigosa." Um clérigo de alto nível propõe a criação de um ministério de defesa da moral e dos bons costumes, semelhante àquele usado pelo Taleban no Afeganistão.
Um grupo de linha dura atribui o aumento dos casos de estupro à desobediência das determinações religiosas.
Analistas políticos dizem que a questão pode representar um teste do futuro das liberdades sociais, especialmente agora, quando conservadores islâmicos praticamente expulsaram os reformistas do poder.
O presidente reformista Mohammad Khatami, que teria encorajado normas menos rígidas de vestimenta desde que foi eleito, em 1997, está em seu último ano de mandato. Seus aliados perderam a maioria parlamentar para os conservadores, em fevereiro, numa eleição em que candidatos reformistas foram desqualificados em massa.
"Os moderados no campo conservador sabem que uma repressão severa em questões sociais poderia provocar uma reação popular em contrário, mas, mesmo assim, os tradicionalistas querem criar caso", disse o analista político Hossein Rassam.
No campo conservador, porém, há quem discorde do endurecimento. Mesmo o aiatolá Ali Khamenei, o líder religioso supremo do Irã, adotou um tom conciliatório em discurso na semana passada. "A imitação cultural é um perigo sério. Mas não me interpretem mal: não me oponho à moda, a variedade e à inovação."


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