São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Presidente enfrenta crise e queda de popularidade, mas máquina do governo e verba de campanha o favorecem

Bush está em baixa, mas não derrotado

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

O surpreendente desempenho do senador de Massachusetts John Kerry nas primárias democratas atropelou não só seus rivais dentro do partido como também está provocando grandes estragos na campanha de reeleição de George W. Bush.
A ascensão de Kerry foi tão rápida que praticamente não existiu o período de "fogo amigo", em que a troca de acusações entre os pré-candidatos acaba causando danos severos a todos. Assim, a imprensa passou a registrar, ao invés da luta fratricida, ataques diários dos democratas ao presidente republicano. Para completar, Bush e seu governo estão mergulhados em uma série de crises, que vão do Iraque à economia e passam pelos questionamentos sobre se o presidente realmente cumpriu na íntegra o serviço militar na sua juventude. Até mesmo republicanos, aqui e ali, ensaiam suas críticas.
Isso tudo não quer dizer que Bush já pode ser considerado um candidato morto nas eleições de 2 de novembro. Muito poucos ocupantes da Casa Branca deixam de se reeleger (apesar de seu pai, George Bush, ter sido um deles), e Bush ainda não começou a gastar os cerca de US$ 200 milhões que terá para toda sua campanha.
O fato, no entanto, é que o presidente passa neste momento pelo seu pior "inferno astral" desde que chegou à Casa Branca. Pesquisa "Washington Post"/"ABC News" divulgada anteontem aponta que se a eleição fosse hoje John Kerry venceria Bush com 51% dos votos contra 43% (a margem de erro é de três pontos percentuais). A aprovação ao desempenho de Bush na Presidência é de 51% (já esteve acima de 90%).
De acordo com a pesquisa, a maioria (54%) dos 1.003 americanos ouvidos acredita que Bush deliberadamente exagerou os dados disponíveis sobre os programas de armas de destruição em massa de Saddam Hussein.
O fracasso americano em descobrir o suposto arsenal iraquiano provocou um grande abalo na imagem de Bush. Além disso, mesmo com a captura do ex-ditador, soldados americanos continuam morrendo no Iraque.
As baixas no Oriente Médio são a razão, na opinião de Raymond Tanter -professor de ciências políticas na Universidade de Michigan e ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional durante a administração Ronald Reagan (1981-1989)-, pela qual agora o serviço militar de Bush causa mais discussão do que quando o tema surgiu pela primeira vez, em 2000. "Quando você manda americanos e americanas para morrer no Afeganistão e no Iraque, o seu serviço militar se torna uma questão."
Bush, que se definiu como "o presidente da guerra", está sendo acuado pela imprensa e pelos democratas, que suspeitam que o presidente simplesmente não deu as caras durante boa parte de 1972 na base aérea do Alabama na qual deveria servir.
As dúvidas que pairam sobre Dick Cheney também causam preocupação no Partido Republicano. O vice-presidente está envolvido em tantas confusões que a revista "Time" da semana passada lançou a pergunta "Cheney ajuda ou atrapalha?" e especula-se se ele poderá perder a vaga na chapa de Bush.
O gabinete do vice-presidente está sendo investigado como um dos possíveis responsáveis pelo vazamento para a imprensa do nome de uma espiã da CIA (o serviço secreto dos EUA). O diplomata Joseph Wilson, marido da espiã Valerie Plame, sustenta que o vazamento foi uma retaliação às acusações que ele fez ao governo.
Cheney também está envolvido em uma outra investigação: o Departamento da Justiça está apurando se houve o pagamento de propinas em um negócio feito pela empreiteira Halliburton na Nigéria nos anos 90 -época em que ele era o presidente-executivo da companhia. Além disso, a Halliburton, à qual Cheney esteve formalmente ligado até 2000, está sendo acusada de superfaturar serviços e produtos usados na reconstrução do Iraque.

Déficit e desemprego
As principais pedras no caminho da reeleição de Bush estão na economia. Apesar de o país ter superado a recessão e a economia estar avançando, essa recuperação ainda não se traduziu na criação de empregos. Pelo contrário, salvo uma espetacular, e improvável, mudança, Bush vai ser o primeiro presidente desde a década de 30 a acabar o mandato com o país tendo menos empregos do que quatro anos antes.
O déficit orçamentário deste ano, de US$ 521 bilhões, é o maior da história. O "feito" de Bush contrariou muitos conservadores. A falta de controle sobre os gastos do governo foi criticada por parlamentares republicanos e definida pelo "Wall Street Journal" como "verdadeiramente chocante".
Até republicanos de "carteirinha" estão criticando o presidente. Peggy Noonan e Roger Ailes, dois ex-assessores de comunicação dos ex-presidentes Ronald Reagan e George Bush (1989-1993), recentemente se juntaram ao coro de vozes desapontadas. O conservador âncora Bill O'Reilly, do canal Fox News, declarou-se "cético" em relação ao governo e se desculpou por ter endossado as acusações de que o Iraque tinha armas de destruição em massa.
Contudo, Tanter e o pesquisador Norman Ornstein, do conservador American Enterprise Institute, avaliam que as críticas internas não pesarão na eleição. Segundo Ornstein, Bush continua com um nível de apoio entre republicanos ainda maior do que o que Ronald Reagan tinha.
"É a base dele. Ele irritou alguns conservadores com suas propostas para os imigrantes, mas eles não têm outra opção. Se for uma eleição entre o esquerdista Kerry e o conservador Bush, a direita não tem alternativa", afirma Tanter.
Outro ponto a favor de Bush, segundo o diretor de sua campanha, Ken Mehlman, é que freqüentemente o presidente dos EUA enfrenta seu pior momento de popularidade quando o partido da oposição está prestes a definir seu candidato e, por isso, ganha toda a atenção da mídia.
"É preciso ter em mente que os índices de aprovação em fevereiro não têm nenhuma relação com sucesso em novembro. Seria tolice esperar qualquer coisa que não uma eleição bastante disputada e imprevisível", diz Ornstein.


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