São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Para cientista político, guerra e economia derrubarão o presidente

Fukuyama vê Bush em seu momento mais vulnerável

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Depois de ganhar fama por seu livro ""O Fim da História e o Último Homem", o americano Francis Fukuyama, 51, prevê agora o fim de George Walker Bush.
""Pela primeira vez desde que assumiu, Bush está realmente vulnerável. Muita gente considera o começo do seu fim. E eu concordo com isso", disse Fukuyama em entrevista à Folha na Universidade Johns Hopkins, em Washington, após uma palestra sobre a situação americana no Iraque.
""O Fim da História" se tornou um best seller a partir de 1991 ao pregar a tese, em mais de 15 idiomas, de que todos os países do mundo se juntariam com o tempo ao redor de um sistema político e econômico comum, baseado na democracia.
Leia a entrevista de Fukuyama, PhD em ciência política pela Universidade Harvard, à Folha.

Folha - Os democratas conseguirão mudar ""corações e mentes" no momento em que Bush constrói seu discurso em cima da ameaça terrorista presente e da guerra?
Francis Fukuyama -
Bush tenta de fato concentrar toda a sua estratégia no medo dos americanos em relação ao terror evocando os ataques do 11 de Setembro. Mas creio que a sua performance não tenha sido muito impressionante.
Mesmo a entrevista apresentada no domingo passado [no programa da TV NBC "Meet the Press", em que Bush disse ser o "presidente da guerra"] foi interpretada por muita gente como o verdadeiro começo de seu fim. Eu concordo com isso.
Bush vai insistir nesse ponto, mas creio que talvez ele já não tenha mais argumentos tão poderosos. Se houver de fato uma investigação sobre os maus procedimentos adotados pela Casa Branca a partir de dados incompletos de serviços de inteligência, e se as coisas continuarem tão ruins como estão no Iraque, Bush acabará ficando vulnerável justamente no tema que escolheu como central para a sua campanha.
Isso certamente pode ser um sério problema para o presidente e seu discurso monotemático.

Folha - O ""presidente da guerra" pode, então, perder a eleição justamente por causa dela?
Fukuyama -
Sim, mas não apenas por causa da guerra. Os americanos vão olhar muito para outras questões, principalmente para a economia. Mas eu diria que, pela primeira vez desde que assumiu, o presidente Bush está realmente vulnerável, e justamente nos pontos centrais de seu discurso e de seu governo.

Folha - Mas grande parte dos norte-americanos segue amedrontada com o terror, não?
Fukuyama -
É verdade. Ainda há uma significativa base de apoio a esse discurso. Mas o que todos devem lembrar sempre é que Bush venceu a eleição de 2000 por uma margem mínima de votos. Talvez possamos dizer que ele nem teve a maioria dos votos.
Bush não precisa convencer as pessoas que têm medo de terroristas e de ""ameaças externas". Elas já fazem parte do ""núcleo duro" do eleitorado republicano.
O problema para Bush é convencer o eleitor de centro. Esse eleitor já começa a avaliar com mais atenção todas as contradições e inconsistências que estão aparecendo no discurso e na prática da Casa Branca. Isso continuará ficando cada vez mais evidente ao longo da campanha.

Folha - O rápido consenso democrata em torno de John Kerry representa a noção de que Bush pode, de fato, ser derrotado?
Fukuyama -
Sim. A questão da elegibilidade tem sido o principal ponto desta campanha, tanto entre os eleitores democratas quanto para os indecisos. Há uma compreensão de que realmente há uma chance a partir desta fase de contradições pela qual estamos passando.

Folha - Mas Bush tentará neutralizar a situação no Iraque durante a campanha, não?
Fukuyama -
Sim, e a maneira que está encontrando é interessante. Ao querer antecipar a entrega do poder aos próprios iraquianos e ao planejar eleições tão cedo no país, os EUA poderão acabar neutralizando de alguma maneira os grupos que estão realizando os ataques na região. Se um novo governo iraquiano assumir, esses ataques constantes perderão a sua legitimidade, pois estariam sendo dirigidos agora contra um comando do próprio país, não mais contra os invasores.

Folha - Em termos históricos, quais as conseqüências da invasão americana no Iraque?
Fukuyama -
A coisa está apenas no começo. Daqui a dez anos, se o Iraque se tornar um lugar democrático, todos teremos uma outra perspectiva. Podemos ter uma surpresa. Mas o problema aqui é a maneira como esse governo conduziu todo o processo, alienando de maneira desnecessária a maior parte de seus aliados internacionais, um erro que poderia ter sido corrigido facilmente. Mas eles nem sequer quiseram pensar no assunto.



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