São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Salvadorenho copia Lula em campanha

Candidato da ex-guerrilha FMLN, Mauricio Funes contratou marqueteiro petista e testa mensagem de moderação nas urnas hoje

Direita governista usou Chávez contra esquerda; à diferença de 2004, EUA ficaram neutros na disputa, a mais acirrada desde 1992

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Hugo Chávez é a arma da direita e Luiz Inácio Lula da Silva -e o marqueteiro petista João Santana- são o norte da esquerda na eleição presidencial de El Salvador que acontece hoje, a mais disputada em 17 anos e a primeira na qual um candidato da ex-guerrilha FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) tem chances de ganhar.
A julgar pela campanha da governista Arena (Aliança Republicana Nacionalista, direita), no poder desde 1989, trata-se de um referendo na Venezuela. O candidato Rodrigo Ávila, 44, espalhou o bolivariano em outdoors e spots de TV que conclamam os salvadorenhos a salvar o país de Chávez e das "garras do comunismo".
É um ataque potente contra a FMLN -convertida em partido político no acordo de paz de 1992, que pôs fim à sangrenta guerra civil (1980-1992) do país centro-americano-, numa eleição em que a ex-guerrilha se mostrou mais disposta do que nunca a mostrar imagem de esquerda pragmática.
A frente escolheu Mauricio Funes, 49, popular jornalista de TV, para representá-la. Funes -que lidera as pesquisas por pequena margem- não lutou na guerra civil e ainda mantinha relação próxima com Lula.
"O socialismo do século 21 não é para El Salvador", disse Funes à Folha. "Considero Lula e seu estilo de governar meu referencial mais próximo.
Quando fui escolhido candidato, não vacilei. Convenci o partido a contratar João Santana, que conheço há anos", continuou ele, casado com a brasileira e petista Vanda Pignato, funcionária da Embaixada do Brasil em San Salvador.
O marqueteiro lulista encheu a TV com crianças e trabalhadores correndo balançando a bandeira salvadorenha em clipes bem filmados com jingles com variações de "a esperança vencerá o medo", o slogan "Mudança Segura" e imagens de Lula e Barack Obama, recente adepto do mantra.
Funes lançou até, há três dias, uma Carta à Nação, nos moldes da Carta ao Povo Brasileiro do petista em 2002. Prometeu segurança jurídica aos investidores, negou que vá fazer nacionalizações e disse que não quer rever o Cafta, o acordo de livre comércio dos EUA com a América Central.
Apesar da íntima ligação de Funes com o Brasil, a campanha governista acusa a Venezuela de ingerência. "Lula virou valor agregado. Não havia espaço para criticar", diz o economista e analista político Roberto Rubio Fabián, do local Funde (Fundação Nacional para o Desenvolvimento).
Questionado sobre o uso da imagem de Chávez, Rodrigo Ávila, engenheiro e ex-diretor da polícia, não titubeou: "A verdade é dura. Foi Chávez quem disse que queria incluir El Salvador na Pátria Grande Bolivariana". O candidato prometeu construir a "nova direita".
Para Rubio, Funes não foi suficientemente claro ao marcar distância do venezuelano, sob risco de criar arestas na ala radical da FMLN. "O problema é que ele precisava de um discurso moderado para o eleitorado e um outro tom para dentro."

Fator EUA e votação
Os governistas não puderam contar com o apoio explícito da Casa Branca como em 2004, na eleição de Antonio Saca. À época, na tradição da Guerra Fria, o Departamento de Estado do governo Bush disse que uma vitória da esquerda atrapalharia as relações com Washington.
Estavam à frente da ofensiva americana pró-Arena Otto Reich e Roger Noriega, que antes trabalharam no governo Reagan (1981-1989), quando os EUA deram assessoria antiguerrilha ao Exército salvadorenho e apoio encoberto aos esquadrões da morte. Um terço da população salvadorenha vive nos EUA, e 18% do PIB vem de remessas dos imigrantes. Os americanos são os principais consumidores das exportações do país, onde quase metade da população vive abaixo da linha de pobreza. O dólar é usado como moeda local desde 2001.
Desta vez, 46 congressistas republicanos dos EUA até que tentaram. O grupo enviou carta a Barack Obama e a Hillary Clinton alertando para "os riscos" de uma vitória da FMLN. Mas o Departamento de Estado disse que trabalhará bem com quem ganhar.
A votação de hoje em El Salvador deve acontecer num clima tenso, dadas as denúncias de tentativa de fraude feitas pela esquerda e as idiossincrasias do sistema eleitoral -o país, um pouco maior que Sergipe, tem 4,2 milhões de eleitores.
A autoridade eleitoral é formada por indicados dos partidos, com maioria da direita. O registro eleitoral é por ordem alfabética, o que obriga eleitores a se deslocarem -e o transporte de eleitores não é crime. Observadores europeus apontaram uso da máquina do Estado e da mídia em favor de Ávila.
Rubio Fabián teme uma guerra de impugnações de urnas na apuração. "Se Funes perder por poucos votos, será difícil para a FMLN aceitar."


Folha Online
Leia a entrevista com Funes (Ávila não atendeu aos pedidos da Folha)
www.folha.com.br/090729



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