São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Lula chega a Israel com pedido por "reflexão"

Ao iniciar visita, governo brasileiro evita palavras duras em meio à tensão entre israelenses e americanos em torno do processo de paz

Na opinião do chanceler Celso Amorim, o clima tenso não atrapalha a iniciativa brasileira: "uma mensagem de paz sempre ajuda", disse


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem à noite em Jerusalém precedido de palavras débeis demais da diplomacia brasileira para o tamanho da crise que está se desenvolvendo entre Israel e seu principal suporte, os Estados Unidos, em torno do moribundo processo de paz entre judeus e palestinos.
A debilidade fica evidente quando se comparam as manifestações do Itamaraty e do Departamento de Estado americano sobre o anúncio da construção de 1.600 novas unidades habitacionais no subúrbio de Ramat Shlomo, em Jerusalém Oriental, que os palestinos querem como a capital de seu eventual futuro Estado.
O governo brasileiro limitou-se a manifestar sua "profunda preocupação". A secretária de Estado Hillary Clinton foi muitíssimo além: chamou de "insulto" aos EUA o fato de o anúncio ter sido feito justamente quando estava em Jerusalém o vice-presidente Joe Biden, cujo propósito original era desfazer a inquietação de Israel em relação às posições do presidente Barack Obama.
É verdade que Lula ainda nem havia embarcado para Israel quando se deu o anúncio, na semana passada, mas é igualmente verdade que a visita já estava definida. Como o Brasil não esconde seu desejo de desempenhar um papel no processo de paz, o "insulto" acaba se estendendo ao país, na medida em que o anúncio torpedeou o reinício do processo.
"Nunca em minha vida diplomática eu vi uma reação tão forte dos EUA", disse o chanceler Celso Amorim. Para ele, o clima tenso na região não afeta negativamente a visita do presidente Lula. "Uma mensagem de paz sempre ajuda", afirmou.
Após o anúncio israelense, a Liga Árabe retirou a recomendação à Autoridade Nacional Palestina para que aceitasse o chamado "diálogo por aproximação", em que os EUA ouvirão as partes separadamente. Já é um retrocesso, na medida em que israelenses e palestinos mantiveram 18 anos de negociações face a face e, agora, não conseguem dialogar nem por meio de intermediários.
A mensagem brasileira, na chegada da delegação, veio pela boca de Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático do presidente, mas não avança nada. A crise "deveria ajudar na reflexão geral das partes", afirmou.
O governo israelense se antecipou à sugestão: o premiê Binyamin Netanyahu reuniu ontem o seu gabinete para discutir a crise com os EUA. Mas o lado palestino quer muito mais do que reflexão -aliás, um problema tão antigo como o do Oriente Médio já foi objeto de todas as reflexões possíveis.
Marco Aurélio ainda antecipou que a mensagem que o presidente Lula dará aos palestinos é "unam-se", em alusão ao racha entre o Hamas, que governa a faixa de Gaza, e o grupo laico Fatah, que controla a Cisjordânia. Até agora, não há o mais leve sinal de que os dois lados estejam perto de iniciar entendimentos nessa direção.
Não bastasse a crise, a visita de Lula coincide com a de atores que já têm a participação no processo que o Brasil ainda busca. Amanhã, chega George Mitchell, o enviado especial de Obama para a região e o homem incumbido de tocar o "diálogo por aproximação". Na quarta, desembarca a nova responsável europeia pela política externa, Catherine Ashton.
Ambos são precedidos por um comunicado do Quarteto (EUA, União Europeia, Rússia e ONU), que vem tentando inutilmente levar avante o processo de paz, com um tom que parece embutir uma ameaça a Israel. Além de condenar os novos assentamentos, a nota oficial fala em "manter em estudo medidas adicionais que possam ser requeridas pela situação no terreno".
Segundo o chanceler Amorim, por ora o Brasil não pretende apresentar propostas específicas para a mediação do conflito. "Primeiro temos que entrar no processo", disse.
Do lado palestino, Lula certamente ouvirá o mesmo que Tayeb Abdel Rahim, conselheiro sênior do presidente Mahmoud Abbas, disse ao jornal "The Jerusalem Post": "Apelamos à comunidade internacional para fazer Israel parar sua política expansionista e arrogante de construção de assentamentos, porque ela destruirá o processo de paz e representará uma ameaça à segurança do mundo todo".
São tambores de guerra que Marco Aurélio acabou ecoando ao chegar: "Não é um problema que interessa apenas a palestinos e israelenses. Tem altíssimo potencial de desestabilização global".
O assessor de Lula cita "o nascimento do fundamentalismo e o crescimento do terrorismo" como fenômenos, obviamente desestabilizadores, que talvez fossem menos contundentes se se tivesse resolvido a questão israelo-palestina.


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