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Lula chega a Israel com pedido por "reflexão"
Ao iniciar visita, governo brasileiro evita palavras duras em meio à tensão entre israelenses e americanos em torno do processo de paz
Na opinião do chanceler Celso Amorim, o clima tenso não atrapalha a iniciativa brasileira: "uma mensagem de paz sempre ajuda", disse
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem
à noite em Jerusalém precedido de palavras débeis demais da
diplomacia brasileira para o tamanho da crise que está se desenvolvendo entre Israel e seu
principal suporte, os Estados
Unidos, em torno do moribundo processo de paz entre judeus
e palestinos.
A debilidade fica evidente
quando se comparam as manifestações do Itamaraty e do Departamento de Estado americano sobre o anúncio da construção de 1.600 novas unidades
habitacionais no subúrbio de
Ramat Shlomo, em Jerusalém
Oriental, que os palestinos querem como a capital de seu eventual futuro Estado.
O governo brasileiro limitou-se a manifestar sua "profunda
preocupação". A secretária de
Estado Hillary Clinton foi muitíssimo além: chamou de "insulto" aos EUA o fato de o
anúncio ter sido feito justamente quando estava em Jerusalém o vice-presidente Joe Biden, cujo propósito original era
desfazer a inquietação de Israel
em relação às posições do presidente Barack Obama.
É verdade que Lula ainda
nem havia embarcado para Israel quando se deu o anúncio,
na semana passada, mas é
igualmente verdade que a visita
já estava definida. Como o Brasil não esconde seu desejo de
desempenhar um papel no processo de paz, o "insulto" acaba
se estendendo ao país, na medida em que o anúncio torpedeou
o reinício do processo.
"Nunca em minha vida diplomática eu vi uma reação tão
forte dos EUA", disse o chanceler Celso Amorim. Para ele, o
clima tenso na região não afeta
negativamente a visita do presidente Lula. "Uma mensagem
de paz sempre ajuda", afirmou.
Após o anúncio israelense, a
Liga Árabe retirou a recomendação à Autoridade Nacional
Palestina para que aceitasse o
chamado "diálogo por aproximação", em que os EUA ouvirão as partes separadamente.
Já é um retrocesso, na medida
em que israelenses e palestinos
mantiveram 18 anos de negociações face a face e, agora, não
conseguem dialogar nem por
meio de intermediários.
A mensagem brasileira, na
chegada da delegação, veio pela
boca de Marco Aurélio Garcia,
o assessor diplomático do presidente, mas não avança nada.
A crise "deveria ajudar na reflexão geral das partes", afirmou.
O governo israelense se antecipou à sugestão: o premiê Binyamin Netanyahu reuniu ontem o seu gabinete para discutir a crise com os EUA. Mas o
lado palestino quer muito mais
do que reflexão -aliás, um problema tão antigo como o do
Oriente Médio já foi objeto de
todas as reflexões possíveis.
Marco Aurélio ainda antecipou que a mensagem que o presidente Lula dará aos palestinos é "unam-se", em alusão ao
racha entre o Hamas, que governa a faixa de Gaza, e o grupo
laico Fatah, que controla a Cisjordânia. Até agora, não há o
mais leve sinal de que os dois
lados estejam perto de iniciar
entendimentos nessa direção.
Não bastasse a crise, a visita
de Lula coincide com a de atores que já têm a participação no
processo que o Brasil ainda
busca. Amanhã, chega George
Mitchell, o enviado especial de
Obama para a região e o homem incumbido de tocar o
"diálogo por aproximação". Na
quarta, desembarca a nova responsável europeia pela política
externa, Catherine Ashton.
Ambos são precedidos por
um comunicado do Quarteto
(EUA, União Europeia, Rússia
e ONU), que vem tentando inutilmente levar avante o processo de paz, com um tom que parece embutir uma ameaça a Israel. Além de condenar os novos assentamentos, a nota oficial fala em "manter em estudo
medidas adicionais que possam ser requeridas pela situação no terreno".
Segundo o chanceler Amorim, por ora o Brasil não pretende apresentar propostas específicas para a mediação do
conflito. "Primeiro temos que
entrar no processo", disse.
Do lado palestino, Lula certamente ouvirá o mesmo que
Tayeb Abdel Rahim, conselheiro sênior do presidente Mahmoud Abbas, disse ao jornal
"The Jerusalem Post": "Apelamos à comunidade internacional para fazer Israel parar sua
política expansionista e arrogante de construção de assentamentos, porque ela destruirá
o processo de paz e representará uma ameaça à segurança do
mundo todo".
São tambores de guerra que
Marco Aurélio acabou ecoando
ao chegar: "Não é um problema
que interessa apenas a palestinos e israelenses. Tem altíssimo potencial de desestabilização global".
O assessor de Lula cita "o
nascimento do fundamentalismo e o crescimento do terrorismo" como fenômenos, obviamente desestabilizadores, que
talvez fossem menos contundentes se se tivesse resolvido a
questão israelo-palestina.
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