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Líder morto era mais sofisticado que Le Pen
DO ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Se havia alguma coisa que irritava Pim Fortuyn era compará-lo
ao francês Jean-Marie Le Pen ou
ao austríaco Jörg Haider, ícones
da extrema direita européia.
Talvez por ter morrido, ainda
mais assassinado, o que sempre
leva a abrandar as análises que se
fazem postumamente, há estudiosos de prestígio que concedem
que Fortuyn não é exatamente da
mesma estirpe.
"Ao ser gay e ter como seu segundo João Varela, negro originário de Cabo Verde, [Fortuyn] representa uma nova extrema direita, mais complexa do que a de Le
Pen", escreve o cientista político
Andrés Ortega, do jornal espanhol "El País".
Piedade póstuma à parte, o fato
é que as propostas e o comportamento de Fortuyn de fato são diferentes das de Le Pen: ao contrário do francês, por exemplo, ele
não pregava a expulsão dos imigrantes, mas o fechamento das
fronteiras a novos imigrantes.
Sua prática parecia coerente
com a retórica: além de ter como
segunda da lista um imigrante cabo-verdiano, incluiu nela uma
apresentadora de TV nascida no
Suriname, a antiga colônia holandesa ao norte do Brasil.
Mesmo seu ataque ao islã parecia menos um preconceito e mais
uma resposta a um preconceito,
pelo menos segundo o exposto
por um imã (líder religioso) holandês, que comparou homossexuais a "porcos".
De todo modo, é difícil rotular a
plataforma de Fortuyn. Além disso, é inútil: ela, a rigor, morreu
com ele, porque se tratava de uma
série de frases contundentes não
consubstanciadas em um programa de governo.
O eixo do discurso é de extrema
direita, ao vincular crime e imigração. Mas é, de todo modo, o
que está sendo feito em toda a Europa, até por líderes que não sofrem restrições do ponto de vista de credenciais democráticas.
É o caso, por exemplo, de José María Aznar, o primeiro-ministro espanhol, que acaba de dizer que 89% dos presos preventivamente na Espanha, no primeiro
trimestre do ano, são imigrantes
de fora da União Européia.
"O controle da imigração e a adaptação dos que chegam às sociedades receptoras e destas à nova situação está se tornando o maior desafio para a Europa nesta década", diz Andrés Ortega.
Desafio admitido até pelas potenciais vítimas de Fortuyn, os
imigrantes na Holanda (10% de uma população de 16 milhões).
"Até vamos sentir saudades dele, porque levava a público o medo de muitos holandeses, o que, por fim, nos permitia falar do assunto", disse a "El País" Mohamed Sini, o marroquino que preside o grupo "Islã e Cidadania".
Um medo que toma forma de números fortes, difundidos durante as campanhas eleitorais: no ano 2015, metade dos habitantes de Amsterdã, Roterdã, Haia e Utrecht, as quatro maiores cidades holandesas, será de estrangeiros, 80% deles muçulmanos.
Não é preciso ser de extrema direita para notar que se trata de um
tema que não pode ficar longe do debate público.
(CR)
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