São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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No exílio, Aristide fala em "golpe" e denuncia "genocídio"

FABIENNE POMPEY
DO "LE MONDE", EM JOHANNESBURGO

Jean-Bertrand Aristide não me recebe em sua casa. O endereço da residência que ele ocupa em Pretória com a mulher, Mildred, e os dois filhos é segredo. Para reuniões, o governo sul-africano colocou à sua disposição uma casa numa avenida elegante de Pretória. Desde que chegou à África do Sul, o ex-presidente haitiano se dedica a escrever um livro no qual pretende relatar seu "seqüestro".
Para ele, não existe qualquer dúvida de que "os responsáveis pelo golpe de Estado de 29 de fevereiro foram a França e os Estados Unidos. Aquilo que vem acontecendo entre nós no momento, o massacre ininterrupto de inocentes, a repressão cega, a violência, o sangue, tudo isso serve apenas para confirmar minhas primeiras declarações", afirma ele, chegando a falar em "genocídio".
Sua convicção é inabalável: passados 200 anos da independência, a França persiste em desestabilizar o Haiti. A antiga metrópole "organizou 53 golpes de Estado", com o objetivo de "impedir que um país de negros se tornasse uma referência de liberdade".
Para ele, é uma questão de "puro racismo". Os EUA e a França se aliaram, milhões de dólares foram despendidos para armar "bandidos, traficantes de drogas, que, hoje, semeiam o terror nas ruas de Porto Príncipe", declara.
Quando relembrado de que foram os EUA que lhe permitiram retomar o poder, em 1994, ele menciona a metáfora do "pai e filho", insinuando que Bill Clinton tinha política bem diferente da adotada pelos dois Bushes. E, mesmo que não queira se pronunciar sobre as próximas eleições americanas, supõe que "o povo haitiano teria mais simpatia por um presidente democrata".
E, enquanto o mundo e os novos detentores do poder no Haiti acusam seus partidários armados, os "chimères" (quimeras), de recorrer à violência, Aristide denuncia nova manipulação. E compara as acusações que lhe são feitas ao caso das armas de destruição em massa no Iraque.
"Trata-se apenas de uma nova mentira que estão brandindo para justificar seus crimes", insiste o ex-presidente. "Nós sempre optamos pela não violência." No entanto foram os "chimères" que atacaram o secretário de Estado Renaud Muselier, alvo de fogo cerrado quando visitou a capital em agosto. "Fiquei chocado. Condeno todas as formas de violência, venham de onde vierem", disse.
Para que o Haiti saia da crise, o ex-presidente quer um diálogo sob a égide das Nações Unidas. Mas, acrescenta, "o diálogo não pode incluir apenas os haitianos, porque são os estrangeiros que desejam ver o Haiti caindo de golpe de Estado em golpe de Estado". Ele quer que a França e os EUA participem do processo. "Propus esse diálogo depois de chegar aqui. Mas eles achavam que conseguiriam resolver o problema pelas armas, e se deram mal."
"Fui eleito, e o povo que me elegeu clama pelo meu retorno", afirma o ex-presidente. Enquanto espera, Aristide foi convidado a se tornar pesquisador honorário na Universidade da África do Sul, em Pretória. Está aprendendo o idioma zulu. Sua estadia, organizada pelo governo sul-africano, parece destinada a ser longa. Aristide mantém a discrição e, mesmo que participe de algumas cerimônias públicas, como funerais, quase conseguiu se fazer esquecer. Mas a oposição e a imprensa sul-africanas questionam regularmente a decisão de acolhê-lo no país.


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