São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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AMÉRICA LATINA

Relatório da Anistia Internacional diz que a violência contra a mulher aumentou sob Uribe; governo elogia estudo

Estupro vira arma de guerra na Colômbia

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Aos 15 anos, Sofia engravidou ao ser estuprada por um paramilitar para quem trabalhava como empregada doméstica. Seqüestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a bacteriologista Rina Bolaño foi violentada duas vezes no cativeiro. Já Inocência Pineda teve o marido morto por soldados do Exército e, em seguida, foi estuprada na frente de seus quatro filhos.
Essas e outras histórias constam do relatório da Anistia Internacional "Corpos Marcados, Crimes Escondidos", divulgado nesta semana sobre a violência contra mulheres no sangrento conflito armado colombiano, que neste ano completou 40 anos.
"Ao aterrorizar e explorar mulheres para fins militares, as forças de segurança, os paramilitares apoiados pelo Exército e a guerrilha têm transformado os corpos de milhares de mulheres e crianças num campo de batalha", diz a diretora da Anistia Susan Lee.
Segundo um informe da ONU do ano passado, a violência contra a mulher aumentou cerca de 20% ano ano entre 2000 e 2002.
Para a Anistia, a atual política do governo colombiano, que, sob o presidente Álvaro Uribe, intensificou as ações militares, têm contribuído para o aumento da violência e da impunidade ao empurrar mais civis ao conflito.
Apenas no ano passado, segundo a Anistia, 220 mulheres foram assassinadas por razões ligadas ao conflito armado e outras 20 estão desaparecidas -esse número não inclui as que foram mortas em combate. Desses casos, 5% estão ligados às forças de segurança, 26%, aos paramilitares, e 16%, às guerrilhas. Não há informações sobre os demais casos.
A falta de informação, aliás, é um dos principais problemas para medir a extensão da violência contra a mulher. Além dos motivos mais comuns, como a percepção de que se trata de um "problema privado", várias regiões da Colômbia estão em poder dos grupos armados ilegais, às quais o Estado não tem acesso há anos ou até mesmo décadas.

Punições contra mulheres
Em áreas sob controle paramilitar, são impostos "códigos de conduta", que incluem proibir a prostituição e o uso de piercings e shorts curtos. As punições incluem estupro, mutilação sexual e humilhação pública.
Há relatos de guerrilheiras das Farc forçadas a abortar e de outras que são assassinadas por contrair Aids: "Enquanto uma mulher que é HIV positivo pode ser fuzilada, os homens [HIV positivo] não são", afirma a Anistia.
O problema das famílias obrigadas a abandonar suas casas por grupos armados também tem impacto grande entre as mulheres. Segundo a ONU, a Colômbia tem 3 milhões de "desplazados", número inferior apenas aos do Sudão e da República Democrática do Congo (ex-Zaire). Mais da metade dessa população é feminina.
Muitas delas tiveram seus maridos assassinados e foram obrigadas a deixar a área rural com filhos e sem levar nada além de roupas, alojando-se em favelas das grandes cidades do país.
Levantamento do Ministério da Proteção Social mostra que 36% das "desplazadas" foram obrigadas a manter relações sexuais com homens que desconheciam.
Também são comuns casos de adolescentes seqüestradas por grupos armados para serem combatentes, escravas sexuais ou para realizar serviços domésticos.
Geralmente em pé de guerra com a Anistia, o governo Uribe surpreendeu ao elogiar o relatório da ONG. "Estivemos olhando [o relatório] num primeiro momento porque não tivemos tempo para estudá-lo em detalhe, mas acreditamos que tenha muitos elementos positivos sobre os quais atuar", disse anteontem o vice-presidente Francisco Santos.
Em tempo: dos três casos que abrem este texto, apenas os soldados foram detidos, mas fugiram.


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