São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2005

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Carta deve agravar tensão sectária, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A aprovação da Constituição iraquiana no plebiscito de hoje deverá agravar as tensões sectárias, pois, ao menos a curto e médio prazos, afastará ainda mais os árabes sunitas do processo de tomada de decisões políticas.
A avaliação é de James Dobbins, diplomata que liderou os esforços de reconstrução americanos no Afeganistão, após a queda do regime do Taleban (2001), em Kosovo e na Bósnia e autor de "America's Role in Nation-Building from Germany to Iraq" (o papel da América na reconstrução de nações da Alemanha ao Iraque).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, a Folha.

 

Folha - Embora Washington defenda a aprovação da Constituição, muitos analistas dizem que ela agravará as tensões sectárias. Como o sr. vê essa análise?
James Dobbins -
Há uma perspectiva de que a Carta se tornará outro elemento polarizador na sociedade iraquiana. Como resultado, haverá maior ressentimento entre os árabes sunitas, o que deverá prolongar a insurgência.
É claro que os interesses americanos na região estão em jogo, contudo não podemos analisar as coisas isoladamente. O Iraque precisa de uma Constituição, mas não parece que o texto em questão ajudará a reduzir o conflito existente no seio de sua sociedade. Tudo indica que a adoção da Carta contribuirá para o agravamento da já grave situação atual.

Folha - O que deveria ter sido feito para evitar esse cenário?
Dobbins -
É possível que, se o tempo de negociação tivesse sido prolongado, os diferentes grupos pudessem ter chegado a um resultado mais satisfatório. Porém não podemos ter certeza disso, já que a tensão sectária é muito forte no Iraque atual. Num futuro distante, a Carta poderá ser aplicada de modo razoável, o que atenuará os problemas de hoje e ajudará a reduzir o caos sociopolítico atual.
A curto e médio prazos, todavia, parece ser bem provável que o resultado da adoção do texto vá ser negativo. Afinal, os árabes sunitas se sentirão ainda mais isolados, o que deverá fortalecer a insurgência e exacerbar a violência.

Folha - O principal problema da Carta é a questão do federalismo?
Dobbins -
Sim, mas há outros. Trata-se de seu elemento mais controverso e que mais preocupa os árabes sunitas, já que, dependendo da interpretação do "federalismo" contido na Constituição, os árabes xiitas poderão fica com uma rica região do sul do país e os curdos [sunitas] com uma também abastada área do norte. Assim, o país seria dividido, as regiões teriam governos fortes, e o poder central seria fraco.
Em tese, os governos regionais poderiam assegurar o controle sobre a maior parte das riquezas iraquianas, embora o texto constitucional diga que os recursos naturais pertencem a toda a população. Mas, quando vemos que os curdos já têm até seu Exército no controle de sua região, devemos imaginar que os xiitas possam fazer o mesmo, o que deixaria os árabes sunitas com a empobrecida área central do Iraque.
Afinal, não se pode esquecer que a Carta também diz que as regiões historicamente desfavorecidas deverão receber mais recursos. Ora, os xiitas e os curdos eram perseguidos pelo regime de Saddam Hussein e poderão argumentar que suas áreas são "historicamente menos favorecidas".


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