São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2005

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INDÚSTRIA CULTURAL

Proposta que defende as produções locais é vista como um freio à expansão comercial de Hollywood

EUA se isolam em discussão da Unesco sobre cultura

ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS

Dois anos atrás, numa rara concessão ao multilateralismo, o governo George W. Bush encerrou um boicote que durou 19 anos dos Estados Unidos à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Hoje, os Estados Unidos correm o risco do isolamento total entre os 191 membros da organização, como o único deles a marcar oposição a uma nova convenção sobre diversidade cultural.
Até recentemente, as diferenças haviam se concentrado em frases diplomáticas obscuras.
Entretanto na contagem regressiva para uma nova votação, na próxima semana, as negociações tornaram-se amargas, com a disputa agora adquirindo um significado político e até mesmo trazendo à tona dúvidas sobre o futuro papel dos Estados Unidos na Unesco.
Os defensores da convenção argumentam que o acordo protegerá e promoverá a diversidade cultural em face da globalização cultural, mas os Estados Unidos acreditam que ela visa restringir as exportações de produtos audiovisuais americanos, particularmente os filmes de Hollywood e programas de televisão.
Na próxima quinta-feira, quando a convenção irá a votação na sede da Unesco, em Paris, tudo leva a crer que os Estados Unidos serão o único país a votar contra a proposta.

Um contra todos
De fato, os Estados Unidos já se isolaram. Em três votações protocolares recentes relacionadas à convenção, a posição americana foi derrotada, sucessivamente, por 54 votos a 1, por 53 a 1 e por 158 a 1.
Articulações de última hora ainda estão sendo feitas, na tentativa de evitar um resultado "um contra todos".
A União Européia, atualmente presidida pelo Reino Unido, apela aos Estados Unidos para que se convertam ao consenso. Embaraçada por discordar de Washington, Londres insiste que a convenção não representa nenhuma das ameaças identificadas pelo governo Bush.
Washington, todavia, não está convencida disso. Na semana passada, a secretária de Estado Condoleezza Rice escreveu para governos de países-membros expressando "grave preocupação" com a convenção, pedindo o adiamento de sua adoção e alertando que ela "só vai minar a imagem da Unesco e semear confusão e desavença, em vez de cooperação".
A convenção é patrocinada por França e Canadá. Os dois países têm muito tempo de experiência em subsídios e cotas para ajudar as indústrias locais de cinema, de televisão e de rádio a resistir à cultura popular que vem dos Estados Unidos.
Essa convenção foi inspirada por um desejo de proteger as culturas locais dos acordos internacionais de liberalização de comércio.
No entanto a proposta final fica aquém das intenções originais. Sem "moral" para defender seus princípios, muitos especialistas esperam que a convenção tenha pouco impacto no que já é um mercado globalizado para produtos culturais.
Nesse mercado, a Bollywood indiana, os filmes de animação japoneses e as novelas brasileiras e mexicanas têm seu lugar, lado a lado com as superproduções de Hollywood.
Os Estados Unidos apesar disso acreditam que a proposta final é aberta a mal-entendidos, que poderiam permitir aos governos controlar a cultura, até mesmo por meio de censura, e bloquear a livre circulação de idéias e informação, seu eufemismo para exportações de Hollywood.
Em um sentido, é claro, outro voto negativo dos Estados Unidos na semana que vem pouco vai mudar.
A convenção será adotada e, uma vez ratificada por 30 países, terá efeito. Os Estados Unidos não vão assinar e, como ocorreu com o tratado climático do Protocolo de Kyoto e com o tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, vão ficar provavelmente criticando -e possivelmente obstruindo- de fora.
Mais preocupante para algumas autoridades da Unesco, no entanto, é o dano político causado por uma convenção que, com o passar dos anos, pode se juntar a muitos outros tratados internacionais no esquecimento.
Na visão deles, o principal significado da convenção é o de símbolo de como os Estados Unidos e alguns de seus aliados mais próximos vêem o mundo de uma forma diferente -e não se trata apenas de cultura.
Dada a relativa fraqueza da proposta final, existem até mesmo os que argumentam que a convenção precisa da oposição norte-americana. Sem ela, haveria poucas razões para proclamar vitória sobre a homogeneidade cultural "a l'Americaine".

Apoio indispensável
A questão principal agora é se, encontrando-se isolados, os Estados Unidos irão retaliar, digamos, cortando sua contribuição monetária para a organização.
A parte dos Estados Unidos representa 22% do orçamento da Unesco. A Unesco não existe sem amigos em Washington, onde seus programas educacionais desfrutam de apoio.
Congressistas críticos às Nações Unidas, por outro lado, os quais se opuseram ao retorno dos Estados Unidos à Unesco, podem se sentir vingados.


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