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INDÚSTRIA CULTURAL
Proposta que defende as produções locais é vista como um freio à expansão comercial de Hollywood
EUA se isolam em discussão da Unesco sobre cultura
ALAN RIDING
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS
Dois anos atrás, numa rara concessão ao multilateralismo, o governo George W. Bush encerrou
um boicote que durou 19 anos dos
Estados Unidos à Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura).
Hoje, os Estados Unidos correm
o risco do isolamento total entre
os 191 membros da organização,
como o único deles a marcar oposição a uma nova convenção sobre diversidade cultural.
Até recentemente, as diferenças
haviam se concentrado em frases
diplomáticas obscuras.
Entretanto na contagem regressiva para uma nova votação, na
próxima semana, as negociações
tornaram-se amargas, com a disputa agora adquirindo um significado político e até mesmo trazendo à tona dúvidas sobre o futuro
papel dos Estados Unidos na
Unesco.
Os defensores da convenção argumentam que o acordo protegerá e promoverá a diversidade cultural em face da globalização cultural, mas os Estados Unidos
acreditam que ela visa restringir
as exportações de produtos audiovisuais americanos, particularmente os filmes de Hollywood
e programas de televisão.
Na próxima quinta-feira, quando a convenção irá a votação na
sede da Unesco, em Paris, tudo leva a crer que os Estados Unidos
serão o único país a votar contra a
proposta.
Um contra todos
De fato, os Estados Unidos já se
isolaram. Em três votações protocolares recentes relacionadas à
convenção, a posição americana
foi derrotada, sucessivamente,
por 54 votos a 1, por 53 a 1 e por
158 a 1.
Articulações de última hora ainda estão sendo feitas, na tentativa
de evitar um resultado "um contra todos".
A União Européia, atualmente
presidida pelo Reino Unido, apela
aos Estados Unidos para que se
convertam ao consenso. Embaraçada por discordar de Washington, Londres insiste que a convenção não representa nenhuma das
ameaças identificadas pelo governo Bush.
Washington, todavia, não está
convencida disso.
Na semana passada, a secretária de
Estado Condoleezza Rice escreveu para governos
de países-membros expressando
"grave preocupação" com a convenção, pedindo o
adiamento de sua
adoção e alertando que ela "só vai
minar a imagem
da Unesco e semear confusão e
desavença, em vez
de cooperação".
A convenção é patrocinada por
França e Canadá. Os dois países
têm muito tempo de experiência
em subsídios e cotas para ajudar
as indústrias locais de cinema, de
televisão e de rádio a resistir à cultura popular que vem dos Estados
Unidos.
Essa convenção foi inspirada
por um desejo de proteger as culturas locais dos
acordos internacionais de liberalização de comércio.
No entanto a
proposta final fica
aquém das intenções originais.
Sem "moral" para
defender seus
princípios, muitos especialistas
esperam que a
convenção tenha
pouco impacto
no que já é um
mercado globalizado para produtos culturais.
Nesse mercado,
a Bollywood indiana, os filmes de
animação japoneses e as novelas
brasileiras e mexicanas têm seu
lugar, lado a lado com as superproduções de Hollywood.
Os Estados Unidos apesar disso
acreditam que a proposta final é
aberta a mal-entendidos, que poderiam permitir aos governos
controlar a cultura, até mesmo
por meio de censura, e bloquear a
livre circulação de idéias e informação, seu eufemismo para exportações de Hollywood.
Em um sentido, é claro, outro
voto negativo dos Estados Unidos
na semana que vem pouco vai
mudar.
A convenção será adotada e,
uma vez ratificada por 30 países,
terá efeito. Os Estados Unidos não
vão assinar e, como ocorreu com
o tratado climático do Protocolo
de Kyoto e com o tratado que
criou o Tribunal Penal Internacional, vão ficar provavelmente
criticando -e possivelmente
obstruindo- de fora.
Mais preocupante para algumas
autoridades da Unesco, no entanto, é o dano político causado por
uma convenção que, com o passar dos anos, pode se juntar a
muitos outros tratados internacionais no esquecimento.
Na visão deles, o principal significado da convenção é o de símbolo de como os Estados Unidos e
alguns de seus aliados mais próximos vêem o mundo de uma forma diferente -e não se trata apenas de cultura.
Dada a relativa fraqueza da proposta final, existem até mesmo os
que argumentam que a convenção precisa da oposição norte-americana. Sem ela, haveria poucas razões para proclamar vitória
sobre a homogeneidade cultural
"a l'Americaine".
Apoio indispensável
A questão principal agora é se,
encontrando-se isolados, os Estados Unidos irão retaliar, digamos,
cortando sua contribuição monetária para a organização.
A parte dos Estados Unidos representa 22% do orçamento da
Unesco. A Unesco não existe sem
amigos em Washington, onde
seus programas educacionais
desfrutam de apoio.
Congressistas críticos às Nações
Unidas, por outro lado, os quais
se opuseram ao retorno dos Estados Unidos à Unesco, podem se
sentir vingados.
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