São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2005 |
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RELIGIÃO Crescente comercialização de mês sagrado islâmico inquieta religiosos Ramadã torna-se mês de consumo e de compras
HASSAN M. FATTAH
O jejum começa ao nascer do sol e dura até o pôr-do-sol. Orações especiais são feitas à noite, num clima de espiritualidade e de meditação intensificada. No entanto basta caminhar por muitas cidades árabes neste mês para perceber que as pessoas estão comprando sem parar. No Egito, hotéis e restaurantes anunciam festas de Ramadã. Loteria Uma loteria de publicidade pede às pessoas que leiam os anúncios durante todos os 30 dias, para concorrer a um prêmio. Em Beirute, os fiéis penduram luzes coloridas que formam as palavras "Ramadan Kareem" -abençoado Ramadã. Uma propaganda da Mercedes veiculada em Dubai brinca com o tema da meia-lua, um símbolo islâmico comum. "Saúde o Ramadã com uma visita à Gargash Enterprises, e, em pouco tempo, você vai estar se sentindo acima da lua", diz. Empresas e candidatos políticos em campanha para as eleições parlamentares de novembro no Egito oferecem aos eleitores lanternas tradicionais do Ramadã gravadas com seus nomes e os logotipos das empresas. Diante de outro centro comercial, uma placa anuncia sua promoção "Gaste e Ganhe": "Ramadan Kareem. Ganhe 1 milhão de dirhams e curta suas compras até a 1h". O valor do prêmio em dirhams, a moeda local, equivale a mais ou menos US$ 275 mil. Para os anunciantes, o Ramadã é como o fim de semana do Super Bowl nos EUA, quando as emissoras de televisão põe no ar seus melhores programas e os concorrentes brigam por participação no mercado. Algumas marcas chegam a gastar metade de seus orçamentos anuais de publicidade apenas neste mês. Mercantilismo Com esses montantes em jogo, talvez não surpreenda que muitas pessoas se sintam incomodadas com o mercantilismo crescente da festa religiosa. "O Ramadã deveria ser um mês de espiritualidade. Fico furiosa porque tudo o que se faz hoje neste mês tem a ver com comida e banquetes", comentou a secretária Naglaa Abdel Fattah, 30 anos, do Cairo. "Não sinto mais o espírito do Ramadã. Ligo para minha amiga, e ela só sabe falar dos dez pratos que sua família está preparando para o "iftar'", a refeição com a qual o jejum é quebrado após o pôr-do-sol. O xeque Haddad afirma que os muçulmanos que não levam o Ramadã a sério estão fazendo um desserviço a eles mesmos. "Um muçulmano que focaliza sua atenção no comércio mundano vai deixar de conseguir os benefícios que poderia na vida após a morte", disse ele. "O que vemos acontecendo atualmente, com a comercialização do Ramadã, é provocado pelo fato de os muçulmanos ignorarem o que é necessário que façam em benefício de suas almas. Deus definiu este mês para nos salvar e proteger nossas almas", acrescentou Haddad. Mas a mensagem do xeque parece passar cada vez mais desapercebida nos shopping centers de Dubai. Muitos deles ficam fechados das 14h às 18h, ou então apenas vazios, já que as pessoas escolhem esse intervalo para descansar. Mas eles se reanimam após o pôr-do-sol, quando muitas pessoas fazem festas, e ficam abertos até as 2h. "Por que religião e diversão não podem andar de mãos dadas?" indagou um iraquiano que falou com a condição de permanecer anônimo. "A gente quer fazer parte dessa grande festa. As pessoas gostam muito isso. Não há nada de errado com isso", afirmou o iraquiano. Mas, para Kuwaiz e para outros, há muito de errado, sim. "Deveríamos estar exercendo a abstinência, e o que ocorre é o contrário", ele se queixou. "O Ramadã se transformou num mês em que as pessoas dão rédea solta à gula." Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Indústria cultural: EUA se isolam em discussão da Unesco sobre cultura Próximo Texto: Comportamento: Bebê dos EUA aprende cedo a usar penico Índice |
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