São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2005

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COMPORTAMENTO

Pais americanos induzem os filhos a apressar o uso do sanitário e dizem que prática fortalece vínculos

Bebê dos EUA aprende cedo a usar penico

C. J. Gunther/"The New York Times"
Hannah Rothstein, de sete meses, usa sanitário com o auxílio de sua mãe, Melinda, em prática que já foi adotada por 77 grupos em 35 Estados norte-americanos


TINA KELLEY
DO "NEW YORK TIMES"

Hannah Rothstein tem sete meses de idade, coxas gorduchinhas e covinhas no bumbum, mas usa elegantes calcinhas alemãs. Ela ainda cabe em suas roupinhas de três meses de idade porque não apresenta o bumbum protuberante de quase todos os bebês de sua idade. Ela dorme à noite toda sem fralda. Sua mãe, Melinda, de Newton, Massachusetts, a coloca sobre o penico de plástico várias vezes por dia, fazendo um sonzinho de "pss-wss-wss", como se chamasse um gato, e Hannah faz suas necessidades no penico.
Para muitos pais nos Estados Unidos, a idéia de desfraldar um bebê -treiná-lo a fazer suas necessidades num penico, tornando desnecessário o uso de fraldas-, antes de ele saber andar ou mesmo antes dos dois anos de idade, é não apenas estarrecedora, mas repreensível, algo que implica um pesadelo certeiro para os pais e para o bebê, sem falar no caminho curto que este vai percorrer do berço para o divã do psicanalista.
Mas um número crescente de pais vem fazendo experiências com o desfraldamento precoce de seus filhos, enxergando essa opção como mais higiênica e ecologicamente correta do que a alternativa tradicional, além de ser algo que provavelmente fortalece os vínculos entre pais e filhos.
Cerca de 2.000 pessoas nos EUA entraram para grupos na internet e listas de e-mail para aprender mais sobre as técnicas usadas para incentivar um bebê -uma criança que ainda não tem idade suficiente para andar ou falar- a ir ao banheiro usando uma privada, penico ou pia. Através do grupo sem fins lucrativos Diaper Free Baby (Bebê Sem Fraldas) (www.diaperfreebaby.org), 77 grupos locais foram formados em 35 Estados para incentivar a prática. Um autor já vendeu 50 mil cópias de seus livros instrutivos sobre o assunto.
"É muito simples", disse Lamelle Ryman, que recentemente participou de uma reunião de apoio realizada num apartamento em Nova York. Mãe de Neshama, de sete meses, Ryman diz que o desfraldamento "tem sido uma dádiva na nossa relação".
O uso dessa abordagem no Ocidente ainda se encontra em fase inicial. Ademais, a filosofia que está por trás dela contraria frontalmente as idéias sobre criação de filhos influenciadas pelo pediatra Benjamin Spock. O dr. Spock, que durante boa parte do século 20 foi visto como autoridade máxima em matéria de cuidados e educação de bebês e crianças pequenas, desaconselhava qualquer tentativa de desfraldar bebês no primeiro ano de vida. Para ele, isso poderia levar a criança a revoltar-se mais tarde, começando a fazer xixi na cama mais tarde.
Mas já houve época em que amamentar os filhos também era raridade. Foi apenas na década de 1970 que as conversas entre mães, apoiadas por pesquisas médicas e o incentivo de médicos, enfermeiras e parteiras, fizeram com que a amamentação se tornasse uma das práticas fundamentais na criação dos filhos, status que ela ocupa até hoje.

É uma coisa que fortalece a intimidade entre o bebê e a mãe. É um conjunto de sinais que a criança emite

No caso do desfraldamento precoce, existe um amplo corpo de conhecimentos e experiência no qual se basear. Essa prática é seguida em pelo menos 75 países, incluindo a Índia e o Quênia. Na China os bebês com freqüência usam calças com fenda no bumbum (de acordo com mães bem informadas de Nova York, essas calças podem ser encontradas no bairro de Chinatown por US$ 1).
Alguns pais americanos que adotam bebês vindos de outros países dizem espantar-se ao descobrir que os bebês chegam já sabendo usar a privada. De acordo com a revista "Contemporary Pediatrics", mais de 50% das crianças do mundo já sabem usar privada quando completam um ano de idade.
Segundo o raciocínio dos defensores do desfraldamento precoce, os bebês têm consciência da necessidade de eliminação e, embora seus músculos não sejam desenvolvidos, eles aprendem rapidamente a usar o penico quando precisam. Com o uso das fraldas descartáveis, os pais modernos estariam, na realidade, ensinando seus bebês a ignorar os sinais de que precisam ir ao banheiro, o que dificultaria a aprendizagem do desfraldamento mais tarde.
Ingrid Bauer é autora do livro ""Diaper Free! The Gentle Wisdom of Natural Infant Hygiene" (Sem Fraldas! A Sabedoria Gentil da Higiene Infantil Natural). Ela acredita que a criança começa a aprender a usar o banheiro com mais facilidade nos seis primeiros meses de vida. Para começar, os pais aprendem a segurar seu bebê pelas coxas, em posição sentada, apoiado contra o estômago do pai ou da mãe, e a fazer um som estimulante, como um pequeno grunhido ou sussurro. Com a prática, os pais aprendem a conhecer os ritmos dos filhos; alguns deles dormem ao lado dos filhos e mantêm um penico ao alcance da mão ou optam por colocar fraldas nos bebês durante a noite.

Vantagens
Para as famílias que praticam a técnica, as vantagens são muitas: economia no custo das fraldas, que pode chegar a US$ 3.000 por criança; menos sentimento de culpa por contribuir para os 22 bilhões de fraldas descartáveis que terminam em aterros sanitários todos os anos; o fim das assaduras dos bebês e um quarto que não tem cheiro de fraldas sujas. Eles também observam que a idade dos dois anos, quando mais comumente se começa a ensinar as crianças a usar o banheiro, é uma fase em que os bebês costumam ter vontade própria muito definida e é uma idade péssima para ensinar qualquer coisa à criança.

Para o dr. Spock, forçar o bebê a abandonar as fraldas poderia levá-lo a revoltar-se mais tarde

O mais importante, porém, elas dizem, é o vínculo emocional com o bebê, que sai fortalecido em função da necessidade de a mãe ou o pai captarem os sinais sutis emitidos pelo bebê e reagir rapidamente a eles. Os praticantes do desfraldamento precoce usam a frase "comunicação de eliminação".
"É uma coisa que fortalece a interação, a proximidade e a intimidade entre o bebê e a mãe", disse o psicólogo californiano Thomas Ball, que está ajudando a desenvolver um documentário sobre a técnica. "É mais um conjunto de sinais que a criança está emitindo e que podem ser ignorados ou atendidos."

Supervisão
Não há dúvida de uma coisa: numa cultura de criação de filhos que tem em grande conta a higiene e a conveniência dos pais, a perspectiva de supervisionar 20 evacuações e micções infantis por dia nos primeiros meses de vida de um bebê pode ser assustadora.
Uma mãe entrevistada numa loja de brinquedos da Times Square ficou chocada com a idéia. "Vocês já leram Freud?" ela perguntou, expressando receio quanto aos efeitos de longo prazo do método. "Imagino que isso vá se manifestar de maneira sexual."
O renomado especialista em educação infantil T. Berry Brazelton disse que os pais não precisam temer a possibilidade de prejudicar seus filhos psicologicamente. Autor do livro ""Toilet Training: The Brazelton Way", sobre como ensinar crianças a usar o penico, Brazelton sempre defendeu uma abordagem centrada na criança. Para ele, o desfraldamento deve ser feito quando a criança estiver pronta para isso, sem muita persuasão ou mesmo encorajamento.
"Sou plenamente a favor, mas acho que não são muitas as pessoas que conseguem fazer isso", referindo-se à comunicação de eliminação. "O que me preocupa é que, hoje em dia, cerca de 80% das mulheres não estão tão disponíveis assim para seus filhos."

Retorno
Como foi o caso da amamentação, a tendência ao desfraldamento precoce representaria uma volta ao passado. Em seu livro ""Infant Potty Training" (Desfraldamento na Primeira Infância), um dos vários que já escreveu defendendo a prática, Laurie Boucke disse que, até o século 19, os bebês nas sociedades ocidentais costumavam ser embrulhados em cueiros, que restringiam seus movimentos e continham suas fezes e sua urina.
Quando, no século 19, a higiene passou a ser vista como algo desejável, escreve Boucke, os bebês passaram a ser segurados sobre um penico em intervalos regulares, até aprenderem a usá-lo.
Em seu folheto atual sobre o assunto, "Toilet Training", a Associação Americana de Pediatria diz que as crianças não têm controle sobre seus movimentos intestinais ou de bexiga com menos de um ano de idade, e que, mesmo nos seis meses seguintes, seu grau de controle é muito pequeno.
"Se a coisa não funcionar, o risco que se corre é que os pais se frustrem, criando interações negativas com seu filho", disse o pediatra Mark Wolraich, autor de ""Guide to Toilet Training".
Mas os pais de crianças que aprenderam a viver sem fraldas dizem que trabalhar com os sinais emitidos pelo bebê é uma experiência valiosa. Sarabeth Matilsky, de Massachusetts, disse que a comunicação de eliminação a ajudou a fortalecer seu vínculo com seu filho Ben, que começou a usar penico quando tinha dez semanas de idade e que sofria de cólicas quando era muito pequeno.
Em duas reuniões recentes de grupos de apoio, várias mães e um pai falaram dos sinais emitidos por seus filhos, tais como dar chutes, esfregar o nariz, fazer barulho, fazer silêncio, arrotar, tremer ou ficar quentinhos.
Laurie Boucke, a escritora, observou que muitos pais têm grande prazer em ensinar seus filhos a usar o penico. "Eles não podem amamentar, mas podem assumir outra parte do cuidado com seus filhos", disse. "Alguns pais obtêm resultados ótimos." Boucke disse que sabe que nem sempre é fácil. "Eu digo às pessoas que não é possível ser perfeccionista com isso. Nenhum pai ou mãe vai acompanhar seu bebê o tempo todo, senão deixará de ter vida própria."

Tradução de Clara Allain

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