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CLIMA
Delegados de 160 países fecham apenas um cronograma de discussões sobre o aquecimento global até o ano 2001
Conferência termina com poucos avanços
MARCELO LEITE
especial para a Folha
O acordo sobre o clima mundial
alcançado na madrugada de ontem em Buenos Aires -se é que
merece o nome de acordo- parece decepcionante. Na semana em
que o furacão Mitch deixou 20 mil
mortos e US$ 4 bilhões de prejuízos, esperava-se dos 160 países
participantes algo mais substancial do que um "plano de ação" a
ser cumprido até 2001.
Essa foi a Quarta Conferência das
Partes (países participantes), ou
COP-4, da Convenção das Nações
Unidas sobre Mudança Climática
feita durante a Eco-92, no Rio. Só
na terceira delas, a de Kyoto, em
dezembro de 1997, obteve-se resultado concreto e mensurável: o
compromisso dos países desenvolvidos em reduzir suas emissões de
gases-estufa (que aprisionam calor
na atmosfera como um cobertor,
aquecendo-a).
Até o ano 2012, as emissões deveriam cair a 5% abaixo dos níveis de
1990. Isto significa que alguns países terão de fazer cortes de até 20%
sobre os níveis de hoje. Para fazer
frente ao custo disso, estão sendo
criadas fórmulas de mercado -os
"mecanismos de Kyoto"- para
facilitar a redução de emissões. São
expedientes como o CDM (sigla
em inglês para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e o comércio de emissões. Grosso modo,
ambos se baseiam na possibilidade
de pagar por reduções de gases-estufa realizadas em outro país.
Os países em desenvolvimento
dão ênfase ao CDM, pois este pode
originar um fluxo de dinheiro novo do Primeiro para o Terceiro
Mundo (fala-se em US$ 17 bilhões
ao ano). Ele viria para financiar a
redução de emissões em novos
projetos, como usinas de eletricidade. Sem esse incentivo, calcula-se que a crescente atividade industrial nesses países os levaria a equiparar-se aos mais ricos, em termos
de contribuição efetiva para o efeito estufa, lá pelo ano 2100.
Organizados no chamado Grupo
dos 77, os países menos desenvolvidos obtiveram pequena vitória
em Buenos Aires. Conseguiram
prioridade ao CDM, nas discussões de detalhamento agendadas
pelo plano de ação, sobre o comércio de emissões, mecanismo preferido dos países mais ricos.
Os Estados Unidos, em particular, apostam tudo na possibilidade
de usar seu poder econômico para
cumprir a meta de cortar em 7%
suas emissões de 1990. Estão de
olho na enorme redução já realizada pela Rússia desde 1990, em consequência da recessão brutal. É o
que ficou conhecido, jocosamente,
como "bolha de ar quente".
Nessa questão, os países mais ricos estão divididos. Aqueles que
compõem a União Européia exigem, com apoio do G-77, que se
ponha um limite ao comércio de
emissões. Seria uma forma de
obrigar os EUA a realizar um esforço doméstico de redução de gases-estufa, como já fazem os europeus.
O Plano de Ação de Buenos Aires
contém outros progressos milimétricos no campo de financiamento,
transferência de tecnologia e penalidades por descumprimento de
metas. Provavelmente nem chegarão ao conhecimento do público
mais amplo; se chegarem, serão
vistos como picuinhas.
Com exceção de Kyoto, talvez,
essa tem sido a percepção pública
sobre o processo diplomático da
Convenção sobre Mudança Climática. Ela é tão inevitável -dada a
complexidade científica e econômica da questão- quanto injusta.
Só houve um Protocolo de Kyoto
porque houve um Mandato de
Berlim, ou seja, a decisão anterior
de que metas quantitativas teriam
de ser fixadas no Japão.
Buenos Aires trouxe também
duas iniciativas políticas de peso.
O país-anfitrião rachou o bloco
não-desenvolvido dispondo-se a
adotar, até a próxima COP, metas
voluntárias de redução das emissões futuras. No mesmo dia, os
EUA anunciaram sua adesão ao
Protocolo de Kyoto. Como no xadrez, é da somatória de pequenos
movimentos de Berlim e Buenos
Aires que saem os grandes lances
do Rio e de Kyoto.
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