São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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CLIMA
Delegados de 160 países fecham apenas um cronograma de discussões sobre o aquecimento global até o ano 2001
Conferência termina com poucos avanços

MARCELO LEITE
especial para a Folha

O acordo sobre o clima mundial alcançado na madrugada de ontem em Buenos Aires -se é que merece o nome de acordo- parece decepcionante. Na semana em que o furacão Mitch deixou 20 mil mortos e US$ 4 bilhões de prejuízos, esperava-se dos 160 países participantes algo mais substancial do que um "plano de ação" a ser cumprido até 2001.
Essa foi a Quarta Conferência das Partes (países participantes), ou COP-4, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática feita durante a Eco-92, no Rio. Só na terceira delas, a de Kyoto, em dezembro de 1997, obteve-se resultado concreto e mensurável: o compromisso dos países desenvolvidos em reduzir suas emissões de gases-estufa (que aprisionam calor na atmosfera como um cobertor, aquecendo-a).
Até o ano 2012, as emissões deveriam cair a 5% abaixo dos níveis de 1990. Isto significa que alguns países terão de fazer cortes de até 20% sobre os níveis de hoje. Para fazer frente ao custo disso, estão sendo criadas fórmulas de mercado -os "mecanismos de Kyoto"- para facilitar a redução de emissões. São expedientes como o CDM (sigla em inglês para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e o comércio de emissões. Grosso modo, ambos se baseiam na possibilidade de pagar por reduções de gases-estufa realizadas em outro país.
Os países em desenvolvimento dão ênfase ao CDM, pois este pode originar um fluxo de dinheiro novo do Primeiro para o Terceiro Mundo (fala-se em US$ 17 bilhões ao ano). Ele viria para financiar a redução de emissões em novos projetos, como usinas de eletricidade. Sem esse incentivo, calcula-se que a crescente atividade industrial nesses países os levaria a equiparar-se aos mais ricos, em termos de contribuição efetiva para o efeito estufa, lá pelo ano 2100.
Organizados no chamado Grupo dos 77, os países menos desenvolvidos obtiveram pequena vitória em Buenos Aires. Conseguiram prioridade ao CDM, nas discussões de detalhamento agendadas pelo plano de ação, sobre o comércio de emissões, mecanismo preferido dos países mais ricos.
Os Estados Unidos, em particular, apostam tudo na possibilidade de usar seu poder econômico para cumprir a meta de cortar em 7% suas emissões de 1990. Estão de olho na enorme redução já realizada pela Rússia desde 1990, em consequência da recessão brutal. É o que ficou conhecido, jocosamente, como "bolha de ar quente".
Nessa questão, os países mais ricos estão divididos. Aqueles que compõem a União Européia exigem, com apoio do G-77, que se ponha um limite ao comércio de emissões. Seria uma forma de obrigar os EUA a realizar um esforço doméstico de redução de gases-estufa, como já fazem os europeus.
O Plano de Ação de Buenos Aires contém outros progressos milimétricos no campo de financiamento, transferência de tecnologia e penalidades por descumprimento de metas. Provavelmente nem chegarão ao conhecimento do público mais amplo; se chegarem, serão vistos como picuinhas.
Com exceção de Kyoto, talvez, essa tem sido a percepção pública sobre o processo diplomático da Convenção sobre Mudança Climática. Ela é tão inevitável -dada a complexidade científica e econômica da questão- quanto injusta. Só houve um Protocolo de Kyoto porque houve um Mandato de Berlim, ou seja, a decisão anterior de que metas quantitativas teriam de ser fixadas no Japão.
Buenos Aires trouxe também duas iniciativas políticas de peso. O país-anfitrião rachou o bloco não-desenvolvido dispondo-se a adotar, até a próxima COP, metas voluntárias de redução das emissões futuras. No mesmo dia, os EUA anunciaram sua adesão ao Protocolo de Kyoto. Como no xadrez, é da somatória de pequenos movimentos de Berlim e Buenos Aires que saem os grandes lances do Rio e de Kyoto.



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