São Paulo, domingo, 15 de novembro de 1998

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O LIVRO

da Reportagem Local

À medida que o golpe militar contra o presidente Salvador Allende (1908-73) se configurava como um sucesso, surge, como mostra a gravação, um mal-entendido na comunicação por rádio entre os generais insurgentes.
Cercado por tropas do Exército e da polícia no Palácio de La Moneda, Allende recebe uma proposta de rendição, transmitida por seus adidos militares.
O presidente rechaça a renúncia e, segundo o livro, diz preferir se matar. A notícia chega distorcida aos militares, que passam algumas horas tentando confirmar se Allende já havia se suicidado. Por fim, o posto cinco, instalado no Ministério da Defesa, desfaz o mal-entendido.

Vice-almirante Patricio Carvajal - Creio que (a história) do suicídio era falsa. Acabei de falar com o adido naval (...). Eu o encarreguei de convencer o chefe dos carabineiros (da guarda presidencial) a render suas tropas porque (do contrário) vão ser bombardeadas. Devem sair agora.
General Pinochet -
De acordo. Acaba de me chamar o subsecretário da Marinha, que disse que os três comandantes (líderes da revolta) deveriam pedir rendição ao presidente. Vocês sabem que esse cara (Allende) é traiçoeiro. Se quer se render, que vá ao ministério (da Defesa) para se entregar aos comandantes.
Acuado no palácio, Allende afirma, em contato telefônico com o Ministério da Defesa, que só aceita dialogar no palácio presidencial: "O presidente da República só recebe em La Moneda". Pinochet reage.
Pinochet - Preste atenção. Esse cavalheiro está ganhando tempo. Nós estamos nos mostrando débeis. Não aceite nenhum encontro. Encontro significa diálogo. Rendição incondicional. É bem claro o que digo: rendição incondicional. Se quiser, ele que venha e se entregue. Se não, vamos bombardear (o palácio) o quanto antes.
Carvajal -
De acordo. (...) Estão sendo informados de que, em dez minutos, vamos bombardear La Moneda.
As horas passam, a sublevação é um sucesso e os militares começam a discutir o destino dos futuros prisioneiros.
Carvajal - A idéia seria levá-los presos, depois vemos se lhes damos um avião ou outra coisa...
Pinochet -
Se os julgamos, lhes damos tempo. (...) Consulte Leigh (general Gustavo Leigh, comandante da Força Aérea). Minha opinião é que esses cavalheiros deveriam ser detidos e mandados para qualquer lugar. No caminho, vão sendo eliminados.
Cadetes que operam o rádio - Esse é "facho' (fascista).
Já nos momentos finais do golpe militar, os últimos assessores fiéis a Allende abandonam o palácio, a pedido do próprio presidente, protegidos por uma bandeira branca. Pinochet quer saber se Allende integra o grupo.
Pinochet - E Allende? Saiu ou não saiu?
Carvajal -
Não saiu, mas o que diz Flores (Fernando Flores, ministro de Allende) é que quer obter condições decorosas para a rendição de Allende.
Pinochet - Não há nenhuma condição decorosa. Esse filho da puta, o que ele está pensando? A única coisa que desejo é respeitar sua vida e já fazemos muito.
A idéia inicial dos líderes do golpe era enviar Salvador Allende e seu círculo mais próximo para o exílio, num avião. Por volta do meio-dia, Pinochet impõe sua opinião de que seria preferível que o presidente morresse.
Pinochet - Se mantém a oferta de tirá-lo do país, mas o avião cai, velho, quando estiver voando.
Carvajal -
De acordo (risada), de acordo.
Após a saída dos assessores, o presidente Allende, dentro de La Moneda, dá um tiro na cabeça. Informado, o Ministério da Defesa retransmite a notícia aos futuros dirigentes do país, entre eles Pinochet.
Carvajal - Gustavo (Leigh) e Augusto (Pinochet), de Patricio (Carvajal). Há uma informação de dentro de La Moneda. Pela possibilidade de interferência, vou transmitir em inglês. They say Allende comitted suicide and is dead now (Dizem que Allende cometeu suicídio e está morto). Digam-me se me entendem.
Pinochet -
Entendido.
Leigh - Entendido.
Carvajal -
Em relação ao avião para a família, a medida não tem mais urgência. Entendo que a família queira sair urgentemente.
Pinochet - Que joguem o corpo (de Allende) num caixão e o embarquem junto com a família. Que o enterro seja feito em outra parte, em Cuba. Até para morrer esse cara nos causou problemas.
Mais tarde, a junta militar que assumiu o país decidiu que Allende, mesmo morto, era perigoso para o novo regime.
Seu corpo foi enterrado clandestinamente num cemitério longe da capital chilena. Só depois da redemocratização, em 90, os restos do presidente foram levados ao cemitério municipal de Santiago, onde estão atualmente. (OD)



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