São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"EIXO DO MAL"

País comunista tem mais capacidade de produzir arma nuclear, mas Iraque continua sendo alvo prioritário

EUA destinam "tratamento suave" à Coréia do Norte

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A Coréia do Norte, pródiga em agitar o fantasma das armas nucleares e responsável pela recente intensificação de tensões na península coreana, recebe de Washington um tratamento diferente da política aplicada pelo governo Bush ao Iraque.
Para Bagdá, os Estados Unidos enviam sinais cada vez mais claros de uma ofensiva militar, mas, para o regime norte-coreano, a mensagem é que a cartada bélica está descartada.
A Casa Branca sabe que um ataque contra a Coréia do Norte corresponde a uma operação mais arriscada e mais complexa em comparação com a tentativa para se livrar do ditador iraquiano, Saddam Hussein.
Em janeiro passado, o presidente George W. Bush reuniu Coréia do Norte, Irã e Iraque no chamado "eixo do mal", grupo de países acusados de cultivar vínculos com grupos terroristas ou de manter programas de armas de destruição em massa.
Desde então, Bagdá despontou como alvo primordial do radar norte-americano.
A Coréia do Norte, regime comunista ortodoxo e um dos países diplomaticamente mais isolados do planeta, embarcou em outubro numa estratégia de aumentar os desafios aos Estados Unidos.
Admitiu, por exemplo, ter mantido um programa clandestino de desenvolvimento de armas nucleares, que violaria acordos internacionais.
A lógica norte-coreana consiste em agitar o fantasma da força bélica para aumentar o poder de barganha do país em eventuais negociações com os EUA.
O país avalia ser inevitável iniciar um processo de diálogo com Washington, para não se transformar, após o Iraque, no próximo alvo da "guerra antiterror".
Mas a estratégia detonou uma escalada de tensões. Em retaliação ao anúncio norte-coreano sobre seu programa nuclear clandestino, os Estados Unidos deixaram de oferecer combustível ao país, contrapartida exigida pela Coréia do Norte em 1994 para abandonar suas ambições atômicas.
O regime norte-coreano reagiu na semana passada e anunciou a reativação de uma usina nuclear, argumentando precisar de energia elétrica e se dizendo pressionado pelo fim do envio de combustível pelos EUA.
A declaração voltou a aumentar a tensão na península coreana e na região.
Na sexta-feira, Mohamed El Baradei, da Agência Internacional de Energia Atômica (órgão ligado à Organização das Nações Unidas sediado em Viena), afirmou que, entre os integrantes do "eixo do mal", a Coréia do Norte é o que está mais capacitado a produzir armas nucleares.
Entretanto o presidente Bush fez chegar a Kim Jong-il, o ditador norte-coreano, a mensagem de que Washington não guarda planos para invadir a fortaleza comunista, dona do quarto maior Exército do planeta (cerca de 1,2 milhão de soldados).
Mas a Casa Branca sinalizou também que "mau comportamento não será recompensado", sugerindo que, para iniciar negociações bilaterais com os Estados Unidos, desejo da Coréia do Norte, o regime comunista deve "demonstrar respeito à comunidade internacional".
Quando descartam a via militar para a questão norte-coreana, os Estados Unidos estimulam comparações com a sua política para o Iraque.
Um funcionário do governo norte-americano tentou dar uma explicação ao jornal "The New York Times": "[Lidamos com" um Estado irresponsável por vez".
Segundo ele, Washington poderia adotar uma estratégia mais dura para a Coréia do Norte depois de "resolvida a situação iraquiana".
A Casa Branca, no entanto, sabe das diferenças entre o cenário iraquiano e o norte-coreano. Uma ofensiva contra o país de Kim Jong-il encontraria um adversário militarmente mais poderoso do que as forças de Saddam Hussein.
A Coréia do Norte, apesar de seu isolamento e da grave crise econômica, drena recursos para oxigenar sua máquina bélica e é uma exportadora de tecnologia de mísseis balísticos.
A Coréia do Sul desponta como outro fator contrário a uma solução militar para a ameaça norte-coreana.
Apesar das diferenças ideológicas, prevalece na opinião pública sul-coreana a percepção de que uma guerra traria graves conseqüências, como fluxo de refugiados do norte e importantes perdas econômicas.
A China e o Japão, de maneira enfática, engrossam o coro de países refratários a uma guerra na península coreana.
As duas potências asiáticas sabem que um confronto militar às suas portas significaria instabilidade e reflexos negativos para suas economias.
Trata-se, portanto, de um mosaico de fatores que garante a Kim Jong-il um tratamento mais suave do que o reservado pelos EUA a Saddam Hussein.


Texto Anterior: Polícia de Caracas desafia Justiça e eleva crise
Próximo Texto: Relíquia militar: Velho Scud desafia alta tecnologia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.