São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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RELÍQUIA MILITAR

Carregamento para o Iêmen traz lembrança da Guerra do Golfo

Velho Scud desafia alta tecnologia

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma década depois de virarem manchete, os velhos mísseis balísticos Scud voltaram ao noticiário ao serem descobertos em um suspeito navio norte-coreano a caminho do Iêmen, país que, junto vários outros do Oriente Médio, é usuário dessa antiga arma da Guerra Fria. Mas o receio americano de disseminação desses foguetes é compreensível.
Protagonista do primeiro duelo entre míssil balístico e míssil antimíssil, os Scuds poderão voltar a ser lançados se os EUA entrarem em guerra com o Iraque, com resultados imprevisíveis.
Os EUA têm testado Scuds capturados (ou comprados de países hoje aliados) para conhecer melhor sua configuração de vôo. Um teste desses, no mês passado, nem envolveu uma tentativa de interceptação, pois era essencial conseguir antes os parâmetros de vôo da velha arma de origem comunista.
Os velhos mísseis iraquianos, talvez com alguma modernização no seu sistema de orientação, voltariam a ser ameaça para Israel e para aliados dos EUA, como durante a Guerra do Golfo, em 1991.
Do outro lado figuraria o mesmo míssil antiaéreo americano Patriot, que em 91 provou ter alguma capacidade antimíssil -mas bem menos do que foi oficialmente divulgado-, e que agora está de cara nova, com eletrônica radicalmente renovada.
É portanto impossível prever o resultado de um novo embate, por mais irônico que seja, entre a mais moderna tecnologia aeroespacial americana e um velho míssil soviético dos anos 60 ainda usado por cerca de 25 países.
Há alguns dias o Departamento da Defesa dos EUA anunciou que a produção do Patriot seria aumentada em 16% em 2003 e 2004, um total de 208 mísseis que se somariam ao arsenal existente.
Os novos mísseis obviamente não seriam usados em uma guerra próxima contra o Iraque, mas seriam os substitutos daqueles que, segundo se prevê, seriam usados em combate possivelmente no começo de 2003.
A versão do Patriot usada na Guerra do Golfo era conhecida como PAC-2. A versão atual, PAC-3, começou a ser produzida em setembro de 2001 e continua em uma fase intermediária, entre experimental e operacional.
PAC é a sigla em inglês para "Patriot de capacidade avançada". PAC-1 e PAC-2 foram desenvolvidos para dar ao míssil antiaéreo original alguma capacidade contra mísseis balísticos.
Na Guerra do Golfo os iraquianos usaram cerca de 90 Scuds, dos quais 43 confirmados contra alvos na Arábia Saudita (onde se concentravam as tropas americanas e de seus aliados) e 39 contra Israel, em uma tentativa de envolver o país no conflito e rachar a coalizão anti-Iraque, que incluía vários países islâmicos.
Ironicamente, a maior dificuldade do Patriot de atingir os Scuds veio da própria obsolescência do míssil, que fazia uma trajetória irregular e podia se desintegrar durante a reentrada na atmosfera baixa.
A Raytheon, fabricante do míssil -a mesma empresa que cuida do programa Sivam de vigilância da Amazônia brasileira-, estima que os Patriot tenham conseguido engajar com eficácia 40% dos Scuds lançados contra Israel e 70% dos lançados contra alvos na Arábia Saudita (um dos quais atingiu um aquartelamento americano, matando 28 pessoas, o maior "sucesso" dos Scuds). Os militares americanos fizeram estimativas semelhantes.
Um pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Theodore Postol, fez um estudo independente mostrando as falhas dos Patriots. Menos de 10% dos Scuds teriam sido atingidos diretamente.
Tanto faz, tanto fez, pois durante a guerra os Patriots tiveram principalmente o papel mais político do que militar de ajudar a impedir Israel de retaliar o Iraque. Como seria agora, com uma nova versão ainda não-confiável do míssil, com Israel sabendo das falhas da versão anterior e com o óbvio desejo de retaliação que de novo surgiria?
Israel tem dificuldade em achar alvos apetitosos na Intifada palestina ou na guerra contra terroristas internacionais. Atacar o Iraque seria portanto de novo atraente, como foi a destruição "cirúrgica" do reator nuclear iraquiano de Osirak, em 1981, em um brilhante ataque aéreo a longa distância.
As primeiras versões do Patriot PAC-3 já foram testadas, em geral com sucesso, contra alvos simulando mísseis balísticos de alcance médio como os Scuds. O programa está agora sendo acelerado. O general americano que chefia a Agência de Defesa contra Mísseis, Ronald Kadish, declarou recentemente que o PAC-3 precisa agora ser adquirido o mais rápido possível.
Israel também acelerou seus programas de defesa antimíssil depois da guerra de 91. Com ajuda dos EUA, os militares israelenses desenvolveram o sistema defensivo Arrow (flecha).
Resta saber, se esse for o caso, se a tecnologia de defesa contra mísseis do começo do século 21 conseguirá ter sucesso face a um velho míssil da década de 60 do século passado.


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