São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Para diretor de centro de direitos humanos, xiitas estão praticando "limpeza étnica" na cidade

Ignorada pela ONU, Fallujah passa por crise humanitária

ESPECIAL PARA A FOLHA,

DE FALLUJAH

Havia um ano a cidade de Fallujah -situada a oeste da capital iraquiana e um dos redutos da insurgência sunita- era submetida a uma das mais devastadoras operações militares, denominada "Fúria Fantasma", que deixou 36 mil moradias destruídas, além de mais de 60 escolas e 65 mesquitas.
Muhamad Tareq al Darraji, diretor do Centro de Estudos de Democracia e Direitos Humanos de Fallujah (CEDDH), estima que na ofensiva americana de 2004 tenham sido assassinadas e feridas entre 4.000 e 6.000 pessoas, em sua maioria civis. Mas não existem cifras oficiais a esse respeito.
"Fallujah e Qaim estão passando por uma crise humanitária sem precedentes", observa Al Darraji, que também é coordenador da plataforma Rede de Observação dos Direitos Humanos no Iraque. "Estas eleições não têm validade sob a ocupação. Elas são realizadas por imposição da agenda dos EUA, e muitas pessoas não concordam com elas."
Uma parcela grande dos moradores da cidade, que não recebe água potável, sofre cortes diários de luz e enfrenta doenças diversas, não recebeu as indenizações prometidas por Iyad Allawi, então premiê provisório, que tinha o respaldo dos EUA.
Pressionado pela embaixada dos EUA, o atual premiê, Ibrahim al Jaafari, concordou em levar adiante o pagamento de compensação aos moradores de Fallujah que perderam entes queridos ou tiveram suas propriedades danificadas nos combates. "Mas agora Jaafari interrompeu os pagamentos", diz Darraji. "O governo é fantoche dos americanos."
Faltando pouco para o pleito, Darraji denuncia: "Milhares de pessoas estão sofrendo. As violações dos direitos humanos são constantes e diárias. Como se pode querer que as pessoas apóiem ou acreditem nesse "processo democrático" que é uma farsa?". Mais de 300 mil pessoas tiveram que deixar suas casas, o número de desaparecidos oscila entre 500 e 1.000 pessoas, e o número de deslocados chega a 100 mil.
Sem resposta da ONU -depois de várias cartas enviadas a seu secretário-geral, Kofi Annan, denunciando as reiteradas violações dos direitos humanos-, Darraji, que foi um dos principais responsáveis pela divulgação da utilização de armas químicas durante o ataque das forças americanas, afirma que no Iraque está sendo levada a cabo uma operação semelhante à limpeza étnica, tendo como alvo os árabes sunitas.
"As operações militares são lançadas contra cidades sunitas, como Fallujah ou Qaim, não em Najaf", diz. "Existe uma intencionalidade, um objetivo concreto." A maioria dos habitantes de Fallujah pratica a vertente sunita do islamismo, e a maior parte do Exército iraquiano na cidade é formada pelos milicianos da xiita Organização Badr e da organização curda Peshmerga.
As denúncias de tratamentos brutais e humilhantes impostos aos moradores da cidade, as valas comuns escavadas no perímetro urbano, nas quais já foram localizados mais de 400 corpos, e as detenções arbitrárias feitas na cidade, além dos casos de tortura, são moeda corrente em Fallujah.
Enquanto a segurança continua um problema na cidade, já que os combates são diários, a saúde da população foi seriamente afetada pelo uso de bombas de fósforo branco -que os EUA dizem servir para facilitar a identificação dos insurgentes, fazendo-os brilhar, mas que os habitantes afirmam ter atingido civis.
"Foram detectados novos casos de câncer, sobretudo em crianças e pessoas que permaneceram em Fallujah durante o ataque. É provável que elas tenham recebido altas doses de radiação, mas nossa capacidade hospitalar está saturada", denuncia Darraji.
Longe da tão propalada pacificação de Fallujah, Darraji observa que, no Iraque, está sendo cometido um crime contra toda a humanidade, enquanto a situação vigente alimenta o ódio entre seus habitantes. (KAREN MARÓN)


Tradução de Clara Allain

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