São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

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EUROPA

Para Noëlle Lenoir, negociação será difícil e faltará dinheiro para financiar o desenvolvimento dos novos membros

Se existir, acordo será ruim para UE, afirma ex-ministra francesa

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Se vier a ser fechado, o acordo sobre o Orçamento da União Européia será deletério para o futuro do bloco, já que implicará forte redução do montante destinado aos dez novos países-membros.
A afirmação é de Noëlle Lenoir, que foi ministra para Assuntos Europeus da França de 2002 a 2004 e é, atualmente, conselheira jurídica num dos mais reputados escritórios de advocacia de Paris.

Folha - Haverá um acordo orçamentário na cúpula da UE?
Noëlle Lenoir -
É possível que haja um acordo entre os 25 países-membros por conta da pressão exercida pelos líderes das maiores potências sobre os Estados menos abastados, porém essa solução de compromisso não será favorável para o futuro do bloco.
Afinal, ela implicará forte redução do Orçamento, o que forçará uma diminuição dos créditos a que terão direito os dez novos países-membros. Estes são mais pobres e precisam de mais apoio para que possam chegar ao patamar dos outros. A solução não permitirá que cheguemos a um acordo verdadeiro sobre o que deve ser o Orçamento a médio e longo prazos nem sobre como novas iniciativas deverão ser financiadas.
Não podemos esquecer que a UE ainda não sabe como financiará sua política externa e de segurança, seus projetos de alta tecnologia destinados a dar mais competitividade aos Estados europeus ou seus programas de melhora da infra-estrutura, como o do transporte viário ou o do ferroviário. Isso sem mencionar a luta contra o terrorismo ou o trabalho de harmonização das informações dos serviços secretos nacionais.
Infelizmente, o próximo Orçamento europeu cobrirá o período entre 2007 e 2013, o que significa que não teremos outra possibilidade de resolver as questões que citei anteriormente antes da próxima década. Isso é insuficiente para as aspirações daqueles que pretendem ver uma Europa coesa e ativa em todas as áreas.
Ou seja, a possível solução de compromisso não permitirá que as populações nacionais percebam a importância da Europa nem lhes passará a mensagem de que seus líderes desejam realmente que a UE continue a avançar.
Trata-se de um paradoxo, pois, atualmente, entre 60% e 70% das leis nacionais são de inspiração européia ou diretamente a aplicação do direito europeu. Mas o Orçamento é de pouco mais de 1% do PIB. Há, portanto, um problema, já que o Orçamento da França, por exemplo, gira em torno de 45% do total de suas riquezas.
Cada vez mais, as regras são estabelecidas em Bruxelas, todavia muito pouco é transferido aos países-membros para lhes proporcionar uma margem de manobra razoável, o que gera dúvidas na população e agrava a crise que vivemos desde que, em meados deste ano, franceses e holandeses rejeitaram a Constituição da UE em referendo.
É uma pena que não utilizemos essa crise para resolver os verdadeiros problemas do bloco, como seu modo de financiamento. Deveremos, cedo ou tarde, chegar à conclusão de que ele deverá ser realizado por meio de recursos fiscais, não de esmolas provenientes dos Estados. Uma parte dos impostos que incidem sobre as empresas poderia ser repassada à Europa. Esta só poderá se aprofundar se houver um elo real entre seus cidadãos e suas instituições.

Folha - As populações européias já são suficientemente maduras para que aceitem essa mudança?
Lenoir -
Creio muito na vontade política. Afinal, nem todas as decisões importantes têm absolutamente de passar pelo crivo popular. Os franceses não eram suficientemente maduros para fazer a paz com os alemães nos anos 50, mas, mesmo assim, isso ocorreu e foi benéfico para ambas as partes.
Na década de 90, quando [o ex-chanceler alemão] Helmut Kohl [1982-98] admitiu abandonar o marco em benefício de uma moeda única para atenuar as preocupações francesas com a reunificação alemã, sua população também não apoiou essa decisão. Ora, há momentos na história européia e na da humanidade em geral em que a vontade política de líderes de visão deve prevalecer.


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