São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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História da reconstrução iraquiana expõe falhas e desperdício

JAMES GLANZ
T. CHRISTIAN MILLER
DO "NEW YORK TIMES"

Um histórico da reconstrução do Iraque pelos EUA mostra um esforço de US$ 100 bilhões prejudicado antes mesmo da guerra pela hostilidade dos estrategistas do Pentágono à idéia e arruinado em meio a disputas burocráticas, violência e o desconhecimento de elementos básicos da sociedade e infra-estrutura do país.
A história -um documento não publicado de 513 páginas que é o primeiro relato oficial desse tipo- está circulando em formato provisório em Washington e Bagdá entre um círculo pequeno de revisores técnicos, especialistas políticos e funcionários do governo.
Ela conclui que, quando a reconstrução começou a atrasar, o Pentágono divulgou medidas de progresso infladas para acobertar as falhas. Em um trecho, por exemplo, o ex-secretário de Estado Colin Powell é citado como tendo dito que, nos meses seguintes à invasão em 2003, o Departamento de Defesa "vivia inventando números das forças de segurança iraquianas -o número aumentava em 20 mil por semana!" Entre as conclusões gerais está a de que, cinco anos depois de iniciar seu maior projeto de reconstrução no exterior desde o plano Marshall, após a Segunda Guerra, Washington não tem ainda nem as políticas, nem a capacidade técnica nem a estrutura organizacional necessárias para empreendê-lo.
A mensagem mais amarga pode estar na conclusão do documento: as cifras sobre serviços básicos e produção industrial compiladas para o relatório revelam que, apesar do dinheiro gasto e das promessas, o esforço de reconstrução nunca fez muito mais do que restaurar o que foi destruído na invasão e na onda de saques que a seguiu. Até o meio do ano, US$ 117 bilhões tinham sido gastos na operação -US$ 50 bilhões vindos do contribuinte americano.

Alertas
O documento contém um catálogo de revelações que mostram o ambiente caótico e muitas vezes tóxico que prevalece no esforço de reconstrução, inclusive com a pressão de lobistas para a rápida liberação de verbas pelo Congresso. Como ilustração do planejamento apressado e aleatório, um funcionário da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) em dado momento teve de determinar em quatro horas quantos quilômetros de estradas iraquianas precisariam ser reabertos ou reparados. O dinheiro para muitos dos projetos ainda em curso é dividido segundo um sistema de espólios controlado por políticos de bairros e chefes tribais.
"O presidente de nosso conselho distrital virou um Tony Soprano de Rasheed", disse um funcionário da embaixada americana que trabalha num bairro perigoso de Bagdá. ""Ou vocês usam meu empreiteiro ou o trabalho não será feito"." É possível que logo os EUA precisem consultar esse documento, pois os contingentes de soldados e os esforços de reconstrução no Afeganistão provavelmente serão aumentados.
A expectativa é que os especialistas em reconstrução do governo Barack Obama foquem projetos em escala menor e dêem ênfase à reforma política e econômica. Mesmo assim, tais programas não trazem solução para um dos maiores problemas listados no documento: o esforço de reconstrução ruiu porque o trabalho não ficou a cargo de uma agência única do governo dos EUA. Intitulado "Lições Duras: a Experiência de Reconstrução do Iraque", o texto foi compilado pelo Escritório do Inspetor-Geral Chefe para a Reconstrução do Iraque, chefiado por Stuart W. Bowen Jr., advogado republicano que viaja regularmente ao país e nele mantém uma equipe de auditores.
No final da narrativa, Bowen cita "Grandes Esperanças", de Charles Dickens, como epitáfio da tentativa de os EUA reconstruírem o Iraque: "Gastamos tanto dinheiro quanto pudemos e recebemos em troca dele o mínimo que as pessoas puderam se convencer a nos dar".

Tradução de CLARA ALLAIN


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