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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Com estrutura descentralizada e sem ideologia única, protestos antiguerra atraem milhões de manifestantes

Ativistas criam forma alternativa de política

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mesmo que malogrem no objetivo de impedir uma nova guerra no Iraque, os pacifistas podem se dar por satisfeitos por terem inaugurado um estilo inédito de fazer política em escala mundial.
Conseguiram pôr nas ruas, por meio de uma estrutura desconcentrada de mobilização, mais gente e gente de origem mais diversificada que qualquer agrupamento internacional -ideológico, sindical, religioso- submetido a uma hierarquia centralizada.
Os pacifistas não têm líderes nem chefes. Eles formam na Europa e nos Estados Unidos uma rede difusa e horizontal de entidades. Um último levantamento indica que o território norte-americano está empipocado por 249 agrupamentos regionais.
Na Alemanha, diz à Folha o dirigente Clemens Ronnefeldt, do grupo Resist!, ninguém é dono do movimento, que elaborou técnicas de militância desde as manifestações contra centrais nucleares, nos anos 70, e que hoje reúne igrejas, o Partido Verde, a Attac (antiglobalização) e associações de estudantes ou moradores.
"Moradores, se concordam com a causa, mobilizam-se e mantêm vínculos muito sólidos na militância", disse o pastor Wes Rehberg, que lidera o movimento numa cidadezinha de 35 mil habitantes chamada Holland, Estado de Michigan (EUA).
Há 15 dias, uma coordenação internacional dos pacifistas, com 25 países, reuniu-se em Londres. Mas foi muito mais para fixar um cronograma mundial de passeatas, para que, dependendo do fuso horário, um grupo nas ruas sempre estivesse sendo objeto de cobertura na televisão.
O fenômeno é muito recente. Uma senadora norte-americana, Arlen Specter, republicana da Pensilvânia, disse recentemente que em 28 de agosto do ano passado assustou-se ao saber que 80 pessoas aglomeravam-se diante de seu escritório para apoiá-la por sua posição contrária a uma nova guerra no Iraque.
No último 15 de fevereiro, segundo estimativas conservadoras, grandes passeatas ocorreram em 600 cidades dos quatro continentes. Foram 3 milhões de pessoas por toda a Espanha, 1,5 milhão em Londres, cerca de 2 milhões em 80 cidades da França.
Para o protesto de ontem em Washington, foi mobilizado um esquema via internet para o fretamento de lugares em cerca de 800 ônibus que seguiriam à capital.
Esse ecumenismo é permitido pelo fato de inexistir entre os pacifistas uma única orientação ideológica, com guardiães da ortodoxia e a disputa de espaço com dissidentes. Há de tudo. Como empresários que deram dinheiro para a campanha eleitoral de George W. Bush, marxistas belgas, luteranos alemães, bispos italianos, estudantes muçulmanos na Holanda e até uma engraçada associação norte-americana de mamães que jogam futebol.
A internet não permitiu só baixar os custos de uma mobilização (o site-organização MoveOn.org reivindica 600 mil simpatizantes on-line) que seria caríssimo se dependesse do correio. Permitiu também diluir os centros de poder. É algo importante. Não há chefia para encomendar às empresas gráficas a impressão de cartazes com dizeres unificados.
Cada militante escolhe seu cartaz, faz o donwload pela internet e ainda imprime, para levar no bolso, os panfletos que irá distribuir.
O salto qualitativo não é apenas tecnológico. É também de qualidade política. É possível que no futuro historiadores citem como um marco essa mobilização globalizada de pacifistas.


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