São Paulo, terça-feira, 16 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Manifestantes revivem grito que embalou revolução

DO ENVIADO A TEERÃ

Às 22h, ruas, avenidas e praças estão vazias, no terceiro dia em que Teerã parece sob toque de recolher. Mas o silêncio é interrompido por gente nas janelas de diversos bairros da cidade, gritando "Deus é grande".
"Allah o Akbar", no original, é usado como "Deus nos proteja" e foi um dos gritos de guerra na revolução que derrubou o xá do Irã em 1979.
A manifestação de dentro de casa aconteceu horas depois da marcha silenciosa da oposição.
"Deus é grande" e "Morte ao ditador" eram muito usados no início da Revolução", disse à Folha a professora de matemática Vida Ladan, 52, durante a passeata. "Esta é a primeira vez em 30 anos que as massas protestam nas ruas e usam os mesmos slogans. Pode ser que não dê em nada, mas é meu dever de patriota."
O evento não lembrou o clima festivo da campanha. O clima era de tensão no ar, apesar da presença policial ser bastante discreta. Durante todo o dia, circularam boatos de que a polícia abriria fogo.
"Achava que iria apanhar de novo", diz o universitário Farhad, 25, mostrando o braço enfaixado, depois de apanhar de milicianos na noite de sábado. "Mas isso é o que o governo quer, que tenhamos medo e fiquemos em casa."

Contrastes
A manifestação dos partidários do opositor Mir Hossein Mousavi escancarou as diferenças entre os dois grupos enfrentados na política iraniana.
O protesto da oposição não foi autorizado pelo Ministério do Interior, e o improviso foi geral. O candidato apareceu em cima de uma camionete branca e usou um modesto alto-falante. Seu rápido discurso foi ouvido por pouquíssimas pessoas.
As mulheres eram quase metade dos presentes, na maioria jovens. Todas de véu, usavam maquiagem e deixavam parte do cabelo aparecer.
Na comemoração pela vitória de Ahmadinejad, no domingo à noite, o presidente falou de um grande palco, com bom sistema de som e avenidas fechadas e monitoradas pela polícia.
Dezenas de ônibus estacionados perto da praça haviam trazido manifestantes, que recebiam comida da organização.
Pelo menos três quartos eram homens. As poucas mulheres usavam o chador preto, cobrindo-se dos pés à cabeça.
"Enquanto, no Ocidente, vota ladrão, vota gay, vota gente suja, aqui vota gente limpa, honrada", disse Ahmadinejad, no discurso de quase uma hora.
Mas, na passeata da oposição, também havia religiosos conservadores. Vestida de longo chador negro, a dona de casa Fatimi, 47, mãe de quatro filhos, desmente à Folha que as massas populares estejam totalmente com Ahmadinejad.
"Pago o dobro pela carne este ano que há dois anos, pago quase o triplo pelo tomate, nós continuamos pobres", reclamou. "Religião não tem a ver com política."
A escolha do local da manifestação também mostrou as diferentes ambições de demarcar território. Ahmadinejad fez sua comemoração na praça Liderança, reduto da classe média local. Já Mousavi escolheu como parada final de sua marcha silenciosa a praça Liberdade, a maior da cidade, onde normalmente Ahmadinejad fazia seus grandes comícios. (RJL)


Texto Anterior: Análise: Protestos podem ser princípio de contrarrevolução
Próximo Texto: Líder supremo iraniano dá apoio a presidente para reforçar teocracia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.