São Paulo, domingo, 16 de agosto de 1998

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LOIRA GELADA
Bebida consegue conquistar novos mercados, ultrapassando a vodca, e usa receitas que incluem cânhamo
Cerveja palestina enfrenta política e religião

CHRISTOPHE BOLTANSKI
do ''Libération'', em Taibeh

Seria difícil imaginar um ambiente mais hostil. A garrafinha amarela e marrom luta contra os preconceitos de uns e as proibições de outros. Os israelenses a vêem com desconfiança, como fazem com quase tudo que vem dos territórios palestinos. Os islâmicos a combatem em nome de uma religião que rejeita o álcool. A ocupação e seus rigores a impedem de circular livremente. Basta um atentado ou um aumento nas tensões na região para a cerveja de Taibeh ficar presa no lugar onde é produzida, na Cisjordânia.
Seu criador é Nadim Khouri, 40, que diz: ''Minha cerveja não se assemelha a nenhuma outra. Não contém nenhum aditivo. É totalmente natural''. O nome da cerveja é o mesmo da cidade onde é produzida, Taibeh, de população predominantemente cristã.
Nos locais públicos, a cerveja Taibeh é ostentada como uma bandeira, ou rejeitada pelas mesmas razões. Ela nasceu com a autonomia e as esperanças de independência palestinas. Em alguns círculos de consumidores palestinos, já assumiu o status de quase um atributo da soberania, símbolo nacional que os palestinos reivindicam. A Jordânia tem a cerveja Amstel, a Síria, a Stella. Israel possui a Maccabée e a Goldstar. A Palestina, antes mesmo de ter um Estado, sacia sua sede de identidade com a Taibeh.
Nadim Khouri sonhava em comemorar os acordos de Oslo com uma caneca de cerveja sem falso colarinho. Exilado nos EUA, como tantos outros cristãos árabes, vendia um kit para a fabricação de cerveja caseira. Retornava regularmente a sua terra de origem para não perder sua carta de residência. Numa de suas visitas, seus amigos experimentaram sua mistura e gostaram. Foi assim que lhe veio a idéia de fazer produção em grande escala, com selo palestino. ''Eu queria participar da criação desse Estado, queria que meu filho crescesse entre conterrâneos'', diz.
No dia 1º de agosto de 1995, dois anos após o aperto de mãos entre Iasser Arafat e Yitzhak Rabin sobre o gramado da Casa Branca, Khouri pôs em funcionamento sua cadeia de engarrafamento alemã. Refletindo a imagem de um povo condenado a errar pelo mundo, a Taibeh é cidadã do mundo. Ela casa o malte belga com o lúpulo da Baviera. A levedura é britânica, as torneiras dos barris, portuguesas. A água vem da fonte de Ein Samia (4 km de Taibeh). O rótulo, impresso na vizinha cidade de Ramallah, fala da ''melhor cerveja do Oriente Médio''. ''Beba local, pense global'', repete Khouri, diplomado numa escola de comércio dos EUA.
Apesar de seus esforços, sua cerveja encontra grandes dificuldades para superar as barreiras psicológicas e militares que a cercam. ''Nossa cidade já ficou sob toque de recolher diversas vezes. Quando a área é fechada, toda minha mercadoria fica bloqueada.''

10 mil litros
Da cervejaria de Taibeh saem 10 mil litros de cerveja por ano -o suficiente apenas para matar a sede de um bando de hooligans ingleses durante uma partida.
A Taibeh, porém, não conquistou o mercado israelense. Avi Ben, um dos principais comerciantes de bebidas alcoólicas em Jerusalém, reconhece sua superioridade em relação às marcas israelenses. Mas, apesar disso, a cerveja palestina não é encontrada nos cafés e restaurantes israelenses.
Khouri encontra obstáculos também entre os palestinos. O ''mufti'' Ikrema Sabri, mais alta autoridade religiosa, tentou proibir a venda de álcool a uma população 97% muçulmana. A cerveja só é consumida em público nas cidades antigamente cristãs, como Ramallah e Jerusalém. Fora delas, as garrafas circulam escondidas.
Apesar da foto em que é visto ao lado de Iasser Arafat, Khoury nunca recebeu nenhuma ajuda da Autoridade Palestina. Egito e Jordânia protegem suas próprias cervejas com barreiras alfandegárias muito altas. Sobra a Europa e seu gosto pelo exótico. Recentemente uma empresa de Munique comprou a franquia de Khouri. Será que a Taibeh terá que se exilar para encontrar seu público?


Tradução de Clara Allain





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